A longa viagem da Rainha Elizabeth II em um Mercedes-Benz durante o seu cortejo

Elizabeth percorreu intermináveis 160 km a bordo de um carro alemão e não de um inglês

Rainha Elizabeth não estava tranquila. Entre os milhares de súditos que acompanharam o cortejo fúnebre, poucos se atentaram ao incômodo da longeva rainha, o que é compreensível dada a comoção do momento. Mas o fato é que Elizabeth não devia estar à vontade a bordo de um Mercedes-Benz em sua última viagem.

Foto: Getty ImagesRainha Elizabeth II
Rainha Elizabeth II

Foi um interminável trajeto de pouco mais de 160 km entre o Castelo de Balmoral, onde a monarca passou seus derradeiros instantes, e o Palácio de Holyroodhouse, em Edimburgo, capital da Escócia, primeira escala da cerimônia de sepultamento real: seis horas em marcha lenta dentro de um Mercedes-Benz!

Bem, a rigor o luxuoso rabecão não era um Mercedes-Benz original, como se verá adiante. Mas, como boa parte da mídia destacou, também não era, como esperado, um sóbrio Bentley ou um majestoso Rolls-Royce. Se você está achando essa história irrelevante, saiba que a maior parte da imprensa se surpreendeu com o rompimento de uma tradição centenária da família real: pela primeira vez, o cerimonial palaciano escolheu um carro não britânico para aquele momento em que os olhos do mundo estavam voltados para o reino.

Só quando desembarcou na Inglaterra Elizabeth finalmente foi levada por um nativo Jaguar XJ 2018 transformado pela Wilcox Limousines, empresa baseada em Lancashire, na costa oeste da ilha, que tradicionalmente atende a família real.

A construção do Jaguar fúnebre começou em 2018 sob supervisão da Jaguar Land Rover e seguiu as especificações ditadas pela própria rainha: ela queria, entre outras exigências, ampla área de vidro para que todos pudessem ver seu caixão e ordenou que o carro ostentasse na ponta do capô a mascote de prata representando São Jorge em seu cavalo e o dragão – o mesmo ornamento, a propósito, que substituía a dama alada nos Rolls-Royce usados pela majestade. É nesse carro que a soberana deverá fazer seu derradeiro passeio pelas ruas de Londres até a Capela de São Jorge, no castelo de Windsor.

Elizabeth II teria escolhido o Jaguar como seu último carro por tradição familiar. Em 2002, os corpos de sua irmã, Margareth, e da mãe, Elizabeth, foram levados por um Jaguar/Daimler/Wilcox em um intervalo de sete semanas entre um féretro e outro.

O marido, Philip, falecido em abril do ano passado, preferiu ser transportado por um prosaico Land Rover Defender TD5 130 que ele próprio havia projetado, em 2003, junto com os engenheiros da Jaguar Land Rover. Entre as modificações, a parte traseira aberta e plana com as especificações exatas para comportar o caixão. A tradicional cor verde Belize foi substituída pelo verde Dark Bronze dos Defender militares. O Land Rover, lembre-se, era um dos veículos preferidos de Elizabeth.

A rainha Elizabeth Alexandra Mary, que conhecemos por Elizabeth II, gostava de automóveis tanto quanto tinha apreço por sua matilha de corgies, pelo gim com licor Dubonnet e pelas fatias de pão de forma com geleia. Supõe-se que também tinha avançadas noções de mecânica, já que dirigia um não muito confiável caminhão Austin K2 transformado em ambulância em seus tempos de voluntária na divisão de serviço motorizado do Exército britânico na Segunda Guerra.

Conclui-se, portanto, que também gostava dos carros estrangeiros. Mas a majestade tinha um dever protocolar: promover a indústria automotiva local. Por tradição, cumpriu o protocolo mesmo depois que os alemães compraram a Rolls-Royce e a Bentley e os indianos tomaram posse da Jaguar Land Rover. Por isso, só aparecia em público nos deslocamentos dentro do reino em veículos de origem britânica. Provavelmente, dirigia carro de qualquer nacionalidade, mas longe das câmeras.

A recomendação era extensiva aos membros da família real. Quando a princesa Diana ousou trocar seu Jaguar XJ-SC V12 british racing green, o tradicional verde dos carros de competição britânicos, por um reles Mercedes-Benz SL500, em dezembro de 1991, Elizabeth entendeu a atitude da nora como rebeldia – ou provocação, como queira, já que o plebeu era pintado de um tom parecido com o das cores da frota real, um bordô profundo batizado de Royal Claret, combinando com preto.

Em setembro de 1992, lady Di teve de devolver à Alemanha o SL Garner Red, nome da cor vinho metálico, com capota preta. Se você visitar o museu da Mercedes-Benz em Stuttgart, na Alemanha, repare no conversível placa J548 LRP exposto ao lado do Classe G Papamóvel: é o carro que foi de Diana. A trágica ironia é que Diana, já livre das amarras palacianas, morreu dentro de um Mercedes Classe S, em 1997. Seu corpo foi transportado por um Daimler DS420 até uma ilha na mansão de Althorp, de propriedade da família da ex-princesa.

Uma das raras vezes em que a rainha foi vista em um Mercedes foi durante a visita à Alemanha em 1965 – a primeira visita de um dignitário britânico àquele país em 52 anos. Elizabeth e o marido, Philip, foram recepcionados no aeroporto de Bonn por um imponente Grosser 600 Pullman Landaulet, o suprassumo da Mercedes-Benz na época. A marca construiu 2.677 exemplares do 600 Pullman, dos quais apenas 59 na versão Landaulet, caracterizada por ter capota removível a partir da segunda coluna.

A limusine foi o veículo oficial da majestade nos 11 dias de visita, mas Elizabeth também pegou carona em um prosaico DKW Munga (fabricado no Brasil como DKW Candango) para passar as tropas germânicas em revista no Estádio Olímpico de Berlim. Se você tiver interesse, veja algumas cenas dessa visita em https://youtu.be/KyyHhfswFVA.

Foto: Getty ImagesRainha Elizabeth dirigindo um carro da família real em 1973
Rainha Elizabeth dirigindo um carro da família real em 1973

E agora Elizabeth estava sendo levada, dentro dos domínios de seu reino e aos olhos da multidão, em um Mercedes-Benz, embora o carro fúnebre fosse, de fato, um Binz H4, um dos modelos criados pela Binz International, empresa alemã fundada em 1946 especializada na construção de carros funerários. A relação da Binz com a Mercedes vem desde os anos 1950, época em que a fabricante passou a fornecer alguns de seus modelos para serem transformados em ambulâncias e furgões de entrega.

O ingresso no ramo funerário deu-se em 1956, quando a Binz, a pedido da Mercedes, foi encarregada de adaptar um 300C para transportar o corpo de uma milionária cliente norte-americana chamada Caroline Folk. O carro é mantido impecável até hoje.

O H4 da rainha foi construído a partir de um Mercedes Classe E 300 ano 2016 e encomendado por um agente funerário de Edimburgo, contratado pela família real para transportar o caixão da alteza na Escócia. Tem 5,99 metros de entre-eixos (3 m a mais que o E original), necessários para que as quatro portas fossem mantidas e o compartimento traseiro pudesse abrigar um caixão de até 2,8 m de comprimento. A altura, de 1,9 m, foi elevada em 44 centímetros; e as janelas traseiras têm 75 cm de altura.

A suspensão traseira naturalmente recebeu reforços, já que o caixão real, esculpido em carvalho e forrado com chumbo, pesa cerca de 300 kg. Segundo a Binz, um carro como esse leva de quatro a seis meses para ficar pronto. O preço não foi divulgado, mas, para ter uma ideia, um H4 com motor 2.0 a diesel e acabamento básico está sendo oferecido em um site inglês de veículos usados pelo equivalente a R$ 783 mil.

Em resumo, o carro que levou Elizabeth para sua última viagem era um Mercedes, mas não era um Mercedes. O que provocou a confusão é que a funerária escocesa não substituiu a estrela de três pontas na grade pelo logotipo que caracteriza os Binz, um B estilizado. No fundo, não faria muita diferença, mas é pouco provável que os escoceses voltem a prestar serviços para os moradores do Palácio de Buckingham.

É de se esperar que, no futuro, se a realeza resistir até lá, o carro funerário seja elétrico, talvez um Audi, marca com a qual o rei Charles mantém relação amistosa e generosos descontos. Vale lembrar que, depois de formalizado o divórcio, em 1996, sua ex-esposa, Diana, passou a circular com um Audi 80 conversível. Meses depois, o próprio Charles dirigia um A8, enquanto seu filho Harry se esbaldava com um RS6 Avant de 550 cavalos sem limitador eletrônico de velocidade. A rainha não ficava tranquila com as traquinagens do neto.

Fonte: JTNEWS com informações do AutoEsporte

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