"Não basta ser negro", diz candidato à Presidência pelo partido Unidade Popular

O partido mais novo do Brasil, a UP (Unidade Popular) irá participar de sua primeira eleição para a Presidência da República com um candidato que busca ser o contraponto do que é visto

O partido mais novo do Brasil, a UP (Unidade Popular) irá participar de sua primeira eleição para a Presidência da República com um candidato que busca ser o contraponto do que é visto entre os concorrentes, em geral homens brancos, com boa condição financeira, que vivem em residências caras e com trajetória na política tradicional.

O nome do pré-candidato da UP é o de Leonardo Péricles, líder de movimento social e presidente nacional do partido. Péricles, 40, é negro, mora em uma ocupação em Belo Horizonte e passou a vida militando em movimentos sociais. Técnico em eletrônica e mecânico de manutenção de máquinas, até pouco tempo, ele dependia de bicos para sobreviver.

Se chegar ao principal posto do Poder Executivo no país, Péricles diz já saber o que fazer: convocará uma nova Constituinte.

Exemplo nas últimas eleições por seu desempenho econômico, o Chile é inspiração para o pré-candidato da UP em razão das manifestações ocorridas nos últimos anos no país, o que faz Péricles recordar os protestos brasileiros de junho de 2013. Ele foi um dos líderes dos atos em Belo Horizonte.

Após pressão popular, os chilenos estão em processo de formatação de uma nova Constituição para substituir a feita no período da ditadura militar. Para promover as mudanças desejadas, Péricles se diz crítico de alianças com partidos do centro e da direita. A tese dele é que eles defendem a "classe dominante", o 1% da população, que ganha 35 vezes mais do que a renda dos 50% mais pobres.

Na opinião de Péricles, "fazer aliança com eles [os ricos] seria perpetuar problemas históricos". "Eu, por ser morador de periferia, por ser negro, sinto na pele essas políticas sendo realizadas".

"Nós defendemos um outro tipo de governabilidade que não foi aplicada no Brasil até então, que é a governabilidade com o povo. Com o povo sendo protagonista direto das mudanças necessárias para o Brasil", disse.

Aquele 1%

O pré-candidato diz ver como fundamental que o povo entenda que precisa participar da política. E, uma das formas para isso, é mudar a representação nos Poderes, como no Congresso, que, na opinião de Péricles, representa o 1% mais rico.

"Sou parte de um processo em que o agente principal é o povo. Se o povo não for aos milhões para as ruas, não acreditamos que terá mudanças profundas no Brasil a favor da maioria".

Até hoje, o Brasil foi governado por uma pessoa negra uma única vez, com o presidente Nilo Peçanha, entre 1909 e 1910. Nesta eleição, entre os pré-candidatos, por enquanto, apenas Péricles é negro —talvez o PSTU lance Vera Lúcia na disputa ao Planalto, mas isso ainda não foi confirmado.

"Mas não sou daqueles que defende que tem que ter uma pessoa negra a qualquer custo. Porque não basta ser negro", diz.

"Nós temos alguns exemplos, como o Sérgio Camargo, que é negro e defende políticas de destruição do movimento negro e destruição das conquistas, da história do nosso povo negro, de luta, de resistência." Péricles cita como exemplo a tentativa de Camargo de mudar o nome da Fundação Palmares.

"Não basta ser só negro, não basta ser mulher. Quero ressaltar isso", Leo Péricles, presidenciável da UP.

Péricles faz referência ao sociólogo Clóvis Moura, que "fala que esse negro tem que estar vinculado à libertação de seu demais". Para o pré-candidato, o Brasil só não teve mais presidentes negros porque o sistema político brasileiro não seria aberto à população.

"Se a maioria do nosso povo é negra, nada mais normal, se fosse realmente democrático o sistema no Brasil, que nós tivéssemos muitos presidentes negros."

Hoje, o presidenciável lembra que a maioria dos negros hoje está marginalizada, jogada ao "segundo plano, exercendo o trabalho que sobra, vivendo em condições muito difíceis de vida". "Porque nós tivemos quase que 400 anos de escravidão no Brasil e nunca houve nenhum processo de reparação."

Constituinte como reparação

Para ele, uma nova Constituinte pode ser uma forma de reparação. Seu desejo é que haja critérios de formação da Assembleia em que "a maioria do povo seja efetivamente representada na eleição". "A maioria do povo é de trabalhadores. Eles serão maioria na Assembleia Constituinte."

Apoiador do socialismo —ele tem imagens de Che Guevara, Lênin e Stalin em sua casa—, Péricles acredita que o que gera o racismo estrutural hoje no Brasil é o capitalismo, criticado por ele ao apresentar suas propostas.

Entra elas, está revogar o teto de gastos e as reformas trabalhista e previdenciária, além de reestatizar empresas que foram privatizadas, taxar fortunas e viabilizar uma reforma urbana em prol da moradia, sua bandeira nos movimentos. Uma de suas ideias é que a jornada semanal de trabalho seja diminuída para 40 horas semanais sem redução salarial.

A que ele mais fala, porém, é um plebiscito para consultar a população sobre o pagamento do refinanciamento da dívida pública, que no último Orçamento equivalia a R$ 1,9 trilhão.

"Isso é uma imposição do mercado financeiro. Não tem nenhum debate com o povo sobre se ele quer ou não continuar pagando a dívida pública", diz Péricles, que gostaria de uma auditoria na dívida, vetada pelos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

A suspensão do pagamento da dívida, na opinião de Péricles, ajudaria a fazer "vultuosos investimentos" para tirar o país da crise econômica. "Por que eu falo de suspender o pagamento da dívida pública? Para pegar o dinheiro e investir no Brasil."

Péricles também ressalta "a punição a torturadores de 1964 até os dias atuais". "A impunidade no passado leva à impunidade no presente. E hoje temos um resultado catastrófico, que é a tortura institucionalizada em delegacia, presídios."

Buscando espaço

O nome do presidenciável hoje não aparece nas pesquisas de intenção de voto dos principais institutos. A UP, por ser um partido novo, sem representação na Câmara, não tem direito a tempo de televisão nem ao fundo partidário.

Em um cenário de invisibilidade, complicado para fazer campanha, Péricles fica incomodado quando questionado se não seria mais fácil disputar uma cadeira para o Legislativo. "Diminui nosso papel, me colocando como se eu não tivesse condição de ser candidato a presidente da República."

Foto: Magê Monteiro/UOLContatos via internet e as redes sociais têm sido utilizados por Péricles para fazer sua pré-campanha
Contatos via internet e as redes sociais têm sido utilizados por Péricles para fazer sua pré-campanha

Para poder se dedicar à campanha, hoje Péricles recebe cerca de R$ 2.000 por mês do partido, verba obtida a partir de doações feitas por seus filiados —cerca de 2.600, segundo a atualização de dezembro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Atualmente, ele tem participado de caravanas pelo país para apresentar sua candidatura —os estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte foram visitados no final de janeiro. E, para ganhar visibilidade, aposta nas redes sociais e no contato via internet.

Centrão e o genocídio

Crítico do governo de Jair Bolsonaro (PL), Péricles também é contra a aproximação da esquerda com o centrão, como fazem as campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT).

"Se fizer uma aliança com pessoas do centrão, vou estar contribuindo com o genocídio da nossa juventude negra. Que coerência é essa? Porque eles alimentam esse sistema de segurança pública que massacra o nosso povo negro."

Perguntado sobre quem apoiaria em um eventual segundo turno, o presidenciável diz que essa é outra eleição. "Inclusive, Léo Péricles pode ir para o segundo turno", diz. "Estamos trabalhando com a pré-candidatura e em ir para o segundo turno. Aí lá a discussão vai acontecer."

E, para chegar ao segundo turno, ele diz querer votos de todos, "menos do 1%", em referência aos brasileiros mais ricos. "Isso aí não me interessa. Dispenso o voto deles. O restante nós vamos disputar".

Fonte: JTNEWS com informações do UOL Notícias

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