STF decide que tempo de serviço em condições insalubres no RGPS deve ser contado no serviço público

Essa decisão derruba a posição anterior da Corte, onde prevalecia a tese do "tudo ou nada" ao servidor; a atual decisão prevalece mesmo após a promulgação da Emenda Constitucional Nº 103/2019

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na noite dessa sexta-feira (28/8), o julgamento virtual de recurso extraordinário com repercussão geral, cujo relator foi o ministro Luiz Fux [atual presidente eleito da Corte], em que garante a averbação de tempo de serviço prestado em atividades especiais [insalubres ou perigosas] com a devida conversão em atividade especial do serviço público por exemplo.

Foto: Jacinto Teles/JTNewsPlenário do STF - vazio aguarda pauta da ADI para rechaçar ou validar a Lei de Abuso de Autoridade
Plenário físico vazio, mas o virtual 'Pleno' o STF decide agora cumprir a CRFB/88 sobre a averbação de tempo de serviço insalubre aos servidores públicos - Ministro Fachin atacou a  tese do "tudo ou nada" adotada na Corte

Sendo que esta garantia foi concedida pela maioria dos ministros seguindo o voto condutor de Edson Fachin que divergiu de Luiz Fux, que já havia votado em sentido contrário, isto é, em desacordo com o pleito dos servidores.

A demanda veio ao Supremo por meio do Recurso Extraordinário (RE) da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, que contestou decisão do Tribunal de Justiça daquele estado, em que havia dado ganho de causa a servidores agropecuários ligados à Secretaria Estadual de Agricultura, que tiveram a garantia de aposentarem com averbação do tempo de serviços prestados em condições insalubres, culminando com a aposentadoria especial nos termos da legislação previdenciária, e da Súmula Vinculante 33 do STF. 

Entenda o que é o Recurso Extraordinário com repercussão geral

É interessante que o leitor do JTNEWS saiba que, desde a promulgação da Emenda Constitucional 45 de 2004, que neste caso específico alterou o art. 103, § 3º, da Constituição Federal, que exige determinadas situações para o STF aceitar o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral, inclusive tendo alterado o Código de Processo Civil e o próprio Regimento Interno do Supremo.

As ações que devem ser objeto de repercussão geral devem estar relacionadas "às questões constitucionais com relevância social, política, econômica ou jurídica, que transcendam os interesses subjetivos da causa."

Portanto, ao preencher essas condições, a causa que atendia apenas a interesses de determinados servidores ligados à Secretaria de Agricultura de São Paulo, agora tem efeito erga omnes, ou seja, para todos que dela necessitem. Assim, tem-se a oportunidade de uniformizar as decisões dos órgãos julgadores do Poder Judciário em todo o Brasil.

Com esse entendimento atual do STF extraído desse julgamento,  todos os servidores públicos que laboram ou laboraram em condições de insalubridade ou de risco têm direito a averbação desse tempo de serviço com a remuneração correspondente, até a promulgação da Emenda Constitucional Nº 103/2019 da Reforma da Previdência.

Edson Fachin chamou atenção para a tese do "tudo ou nada" que até então se adotava na Corte 

O JTNEWS traz extratos do voto condutor da matéria recém decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, com destaque para as argumentações da tese do "tudo ou nada" adotada até então pelos ministros, comprovando assim que a Suprema Corte estava em desacordo com os preceitos constitucionais acerca do fato. Vejamos:

[...]A atual jurisprudência do Tribunal adota a lógica do “tudo ou nada”: ou o servidor possui tempo integral para a aposentadoria especial ( e.g .: 25 anos), ou de nada valerá o trabalho exercido em condições prejudiciais à saúde e à integridade física por, e.g ., 20 anos. Isto porque o servidor, impedido de contar tal período de forma diferenciada, terá de completar o tempo de serviço necessário à aposentadoria como se tivesse sempre trabalhado em condições não prejudiciais à saúde.

Foto: Carlos Alves MouraEdson Fachin, ministro do STF
Edson Fachin, ministro do STF: com seu voto fundamentado integralmente na Constituição conduziu os seus pares a uma decisão plenamente justa e constitucional

[…] 14. A meu ver, tal interpretação é contrária ao sentido do art. 40, § 4º, da Constituição, que exige justamente a “adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria (...) [a]os servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Assim, entendo aplicável o art. 57, § 5 º , da Lei n º 8.213/1991, até porque não há motivo razoável para diferenciar, neste particular, os trabalhadores da iniciativa privada dos servidores públicos, restringindo-se aos primeiros a contagem diferenciada de tempo especial. 15. A própria Constituição tem disposição específica nesse sentido, que reforça tudo o que se vem de expor. Trata-se do art. 40, § 12: Art. 40, § 12. Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Incluído pela EC nº 20/1998) 16. O argumento não “prova demais”, porque a atual jurisprudência do STF entende que nem mesmo esse dispositivo garante aos servidores o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço especial, talvez por uma inadequada interpretação da expressão “no que couber” (que, aliás, também está presente no texto da Súmula Vinculante 33). Em outros termos, o § 12 do art. 40 nunca foi utilizado para preencher o espaço da norma ausente, de modo a afastar o cabimento de mandado de injunção. Seja como for, caso se entenda que tal dispositivo afasta a situação de lacuna inconstitucional, ainda assim seria necessário que esta Corte afirmasse claramente a revisão de sua jurisprudência. Plenário Virtual - minuta de voto - 21/08/20 00:00 6 [...] 18. Outro argumento que reforça esta conclusão é o de que o Supremo Tribunal Federal reconhece o direito adquirido à contagem de tempo especial em caso de transposição do regime celetista para o estatutário. Veja-se a ementa do precedente, julgado sob regime de repercussão geral (RE 612.358 RG, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13.08.2010):

“ADMINISTRATIVO. CONTAGEM ESPECIAL DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES INSALUBRES. PERÍODO ANTERIOR À INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO. DIREITO ADQUIRIDO. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.” 19. Se o tempo prestado em condições especiais no regime geral deve ser considerado como tal no regime próprio, permitindo-se a contagem diferenciada, com maior razão o mesmo serviço, prestado pelo mesmo servidor na vigência do regime próprio, deve ter igual tratamento. […] 23. Considerando que a contagem diferenciada do tempo de serviço especial decorre diretamente do direito à aposentadoria previsto no art. 40, § 4º, da Constituição, e que o exercício desse direito é atualmente obstado por uma lacuna legislativa, nada impede que isso seja reconhecido em mandado de injunção [...].”

O ministro Fachin destacou ainda fundamentos do voto do ministro Roberto Barroso, que reconhece os danos de quem laborou nessas nocivas condições.

Foto: Fátima Meia/Futura Press/Estadão ConteúdoMinistro Luiz Fux
Ministro Luiz Fux - presidebte eleito do STF, teve seu voto rejeitado por todos os ministros

"Os fundamentos esposados pelo Ministro Barroso, contudo, revelam que a aposentadoria especial do servidor guarda relação próxima com o direito à contagem diferenciada. Uma interpretação sistemática e teleológica do art. 40, § 4°, permite verificar que a Constituição, impõe a construção de critérios diferenciados para o cômputo do tempo de serviço em condições de prejuízo à saúde ou à integridade física. Ao permitir a norma constitucional a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição, verifica-se que reconhece os danos impostos a quem laborou em parte ou na integralidade de sua vida contributiva sob condições nocivas, de modo que nesse contexto o fator de conversão do tempo especial em comum opera como preceito de isonomia, equilibrando a compensação pelos riscos impostos", destacou Edson fachin, com muita lucidez e visão holística da realidade do servidor que se submete ao esse trabalho, muitas das vezes sem, sequer, ter acesso aos equipamentos de proteção adequados.

Participaram das discussões no Supremo Tribunal Federal, na condição individual de amicus curiae, as entidades sindicais como: Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, Federação Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal - Fenadsef, Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica e Profissional e o Sindicato dos Médicos do Distrito Federal.

Enfim, o STF traz solução definitiva a esse calvário, em que servidores se viam tolhidos de aposentarem-se como realmente têm direito. Provado então a constitucionalidade na aplicação das regras do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) aos servidores públicos para averbação do tempo em que trabalhou em regime de insalubridade visando a aposentadoria especial.

Confira aqui a íntegra do voto do ministro Edson Fachin. 

Acórdão originário no RE 1014286 - CLIQUE AQUI.

alert-circle ERRATA: o texto foi atualizado

O JTNEWS havia informado quando veiculou inicialmente a matéria, que a decisão do STF prevaleceria mesmo após a promulgação da malevolente Reforma da Previdência, mas cometeu-se um erro, na realidade a decisão prevalece até a data da Emenda Constitucional em referência, conforme divulgado pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Fonte: JTNEWS com informações do STF

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