O dever do Governo de cuidar de vidas; por Márcio Thadeu Silva Marques

No Maranhão, o Código de Saúde (Lei Complementar nº 39/98) estabelece que "a autoridade sanitária tomará as medidas que julgar pertinentes para resguardar a saúde da população", informa Márcio Thadeu

A pandemia causada pelo coronavírus foi considerada pelas autoridades federais e estadual como emergência de saúde pública de importância internacional. Assim, é dever do poder píublico, em todas as suas esferas e por todos os seus órgãos, exercer a vigilância epidemiológica, para diminuir os efeitos da doença, especialmente fatais para a parcela mais vulnerável da população, como os idosos, as pessoas com baixa imunidade e com doenças já existentes. É exatamente essa a determinação da Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. 

Foto: MP/MAMárcio Thadeu - Promotor de Justiça do Estado do Maranhão
Márcio Thadeu - Promotor de Justiça do Estado do Maranhão

No Maranhão, o Código de Saúde (Lei Complementar nº 39/98) estabelece que "a autoridade sanitária tomará as medidas que julgar pertinentes para resguardar a saúde da população, podendo interditar total ou parcialmente locais abertos ao público, durante o tempo que julgar necessário, obedecida a legislação vigente".

STF: lei local neste sentido, prevalecerá em detrimento de lei federal

Essa obrigação não pode ser impedida por norma federal, pois, como advertiu o Ministro Marco Aurélio, do STF, na ADPF 6341, as providências federais "não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior", já que, explicita o magistrado, o artigo 3º da Lei Federal nº 13.979/20, "não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios". 

Esse artigo 3º da lei federal em referência estabelece como passíveis de exigência pela autoridade sanitária local medidas como o isolamento, quarentena, determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas, ou tratamentos médicos específicos, estudo ou investigação epidemiológica, e requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa.

O direito de todos à saúde como obrigação do poder público, bem como a conformação do SUS como um sistema único, na esteira da liminar do Ministro Marco Aurélio, também tornam compulsórias, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal, as normas de vigilância epidemiológica estaduais e municipais; – insista-se, mesmo aquelas não expressamente previstas no dispositivo legal acima mencionado.

São constitucionais e exigíveis, por exemplo, aquelas medidas ditadas pelo Decreto Estadual nº 35.677, de 21 de março de 2020, como a suspensão de atividades que possibilitem a grande aglomeração de pessoas em equipamentos públicos ou de uso coletivo e a limitação de atividades e serviços não essenciais, estabelecidos pelo próprio decreto e suas alterações.

A transmissão comunitária em todo o território nacional foi reconhecida pela Portaria GM nº 454, de 20/03/2020, que recomenda o distanciamento social como forma de proteção dos idosos. É a mesma orientação da Organização Mundial de Saúde e que foi negligenciada na Itália, com os resultados desastrosos que levaram a milhares de mortes.

O Fundo Monetário Internacional, por sua Diretora-gerente, Kristalina Georgieva, afirma que “o apoio fiscal direcionado a famílias vulneráveis e pequenas empresas é particularmente importante, para que elas sobrevivam e possam voltar ao trabalho”. A fraternidade, definida pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, como “uma ligação universal entre se resigualmente dignos”, resulta em “um complexo sistema de solidariedade social e atenção social aos necessitados”. É dever do Estado, portanto, garantir aos mais pobres e vulneráveis economicamente o acesso ao chamado “mínimo existencial”, enquanto as medidas sanitárias indisponíveis vigorarem.

Nossa Constituição não permite outra interpretação. De onde devem vir os recursos para essa ação assistencial? Há várias soluções. No Maranhão, em parceria com a Assembleia Legislativa, o Executivo organiza a doação de cestas básicas. Por outro lado, o Decreto Legislativo nº 6, do Congresso Nacional, reconheceu estado de calamida de pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, permitindo necessária adequação da Lei de Responsabilidade Fiscal à situação, viabilizando ações como a iminente criação do “auxílio emergencial” por três meses para os trabalhadores autônomos cuja renda mensal percapita for de até meio salário mínimo ou a renda familiar mensal total de até três salários mínimos.

Em outro programa, foi anunciada uma linha de crédito emergencial para pequenas e médias empresas e que vai financiar salários pelo período de dois meses. Quanto às empresas, é dever do governo federal estabelecer as medidas de apoio, como já fez em relação ao sistema bancário, em 2008.

Decorre do inciso IV, do art. 1º da Constituição o comando constitucional que impõe a ação do poder público a obrigação de atender ao fundamento republicano dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, promovendo cogente intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas. Em outras palavras: proteger a vida das pessoas, com as ações de vigilância epidemiológica, não demite o poder público, em especial o federal, de realizar atividades para o apoio ao trabalhador e às empresas nestes tempos de pandemia.

Não se pode exigir do trabalhador ou do pequeno empreendedor que sacrifique a própria vida e saúde pela não oferta de medidas assistenciais governamentais que permitam o exercício do distanciamento social. E isso implica em adoção de medidas até pela via judicial, como fez o Estado do Maranhão ao obter, no STF, autorização para empregar valores da dívida com a União no custeio das ações de prevenção, contenção, combate e mitigação à pandemia.

A redução de alíquotas tributárias, em favor dos empreendedores é outro caminho que está sendo trilhado pelas esferas estadual e federal. É preciso garantir que haja, em todas essas situações, a máxima transparência. O direito à informação idônea não pode ser suprimido. Daí que o funcionamento da imprensa, em sua plenitude, também salva vidas. Não por outro motivo, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu trecho da MP que alterou, em razão da pandemia, regras da Lei de Acesso à Informação. Não por outro motivo o próprio governo federal deve cumprir o Decreto 10.288, de 22/03/2020, que reforça o exercício pleno e o funcionamento das atividades e dos serviços relacionados à imprensa, considera dos essenciais no fornecimento de informações à população, e dar efetividade ao princípio constitucional da publicidade em relação aos atos praticados pelo Estado.

O Ministério Público estadual vem fazendo sua parte. Todos os Centros de Apoio Operacional têm colaborado com as Promotorias e Procuradorias de Justiça na indução e fiscalização das políticas públicas cabíveis para a superação da pandemia, com o suporte do Procurador-Geral de Justiça, sua equipe e dos órgãos colegiados, além das indicações do CNMP, que determinou as medidas, como o teletrabalho obrigatório, para a mitigação da curva de contaminação.

Estamos ao lado da saúde de todos e da dignidade do trabalhador e dos empreendedores. Estamos do lado da vida. Não existe, nessa luta, oposição entre esses direitos, mas sim, necessidade de construção de consensos base a dos na racionalidade científica e nos mandamentos constitucionais. Disse o Papa, na sexta (27), em sua benção: “ninguém se salva sozinho”!

Fonte: JTNEWS, com informações do jornal O Imparcial (MA)

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