Enfermeiros são dispensáveis em ambulâncias do SAMU; STJ impõe derrota a quem precisa do socorro

Ausência de enfermeiros em ambulâncias de suporte básico do Samu não viola lei da profissão, decide STJ; os enfermeiros perdem com decisão, mas quem mais perde é quem precisa de socorro

​Em julgamento de recursos especiais repetitivos (Tema 1.024), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu hoje (12/8) fixar a tese de que a ausência de profissional de enfermagem na tripulação das ambulâncias de suporte básico ​do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) não viola a Lei 7.498/1986, que regulamenta o exercício da enfermagem.

Foto: Jacinto Teles/JTNewsSede do STJ - de onde, não se sabe quando, deve sair o alvará de soltura de Arimatéia Azevedo
Superior Tribunal de Justiça em Brasília (DF), projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer e Hermano Montenegro

Segundo o relator, ministro Og Fernandes, a exigência desses profissionais na tripulação poderia "prejudicar o sistema de saúde, pois esses veículos – que compõem a maioria da frota – não poderiam circular sem a contratação de milhares de enfermeiros em todos os rincões do país".

A tese jurídica firmada por unanimidade foi a seguinte: "A composição da tripulação das Ambulâncias de Suporte Básico – tipo B – e das Unidades de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – Samu sem a presença de profissional da enfermagem não ofende, mas sim concretiza, o que dispõem os artigos 11, 12, 13 e 15 da Lei 7.498/1986, que regulamenta o exercício da enfermagem".

Port​​arias do Ministério da Saúde

O ministro Og Fernandes explicou que, apesar de não haver precedentes no STJ, existem posições opostas nos Tribunais Regionais Federais sobre o assunto, o que obriga a corte a exercer sua função de uniformizar a interpretação da lei federal, evitando que prossigam as controvérsias sobre matéria de tão grande repercussão no cotidiano da população brasileira.

Foto: STJ/FlickrMinistro Og Fernandes
Ministro Og Fernandes - relator do processo no STJ

Para regular o serviço oferecido pelo Samu, o Ministério da Saúde editou as Portarias 2.048/2002 e 1.010/2012, determinando que as unidades de suporte básico sejam tripuladas por dois profissionais (um condutor de veículo de urgência e um técnico ou auxiliar de enfermagem), sendo que esse tipo de ambulância atua apenas em casos nos quais não haja previsão de intervenção médica no local ou durante o transporte.

Foto: Flickr/STJMinistro Benedito Gonçalves, presidente da Primeira Seção do STJ
Ministro Benedito Gonçalves, presidente da Primeira Seção do STJ

No recurso especial apresentado ao STJ, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) questionou acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que entendeu estarem as portarias de acordo com a legislação.

Decis​​​ão do médico

Segundo o relator, Og Fernandes, logo que é recebido o pedido de socorro no Samu, a decisão sobre qual tipo de transporte será enviado para atender a urgência cabe ao médico responsável, depois de avaliado o caso pela Central de Regulação Médica de Urgência – o que dependerá da gravidade da situação e do tipo de atendimento necessário.

Foto: Ascom/FMSAgora, o órgão passa a contar com 4 ambulâncias avançadas, 9 básicas e 4 motolâncias
Ambulância básica de atendimento emergencial do SAMU em Teresina

Og Fernandes destacou que a decisão do médico pela ambulância do tipo B ou pela Unidade de Suporte Básico de Vida Terrestre só deverá acontecer quando o veículo for destinado ao transporte entre hospitais de pacientes com risco de vida conhecido e ao atendimento pré-hospitalar de pacientes com risco de vida desconhecido, não classificado com potencial de necessitar de intervenção médica no local ou durante o transporte até o serviço de destino.

"Por tal razão, esse tipo de ambulância é tripulado por, no mínimo, dois profissionais, sendo um o motorista e um o técnico ou auxiliar de enfermagem, ou seja, não se impõe a presença de enfermeiro nessa modalidade de veículo, o que não impede que o médico decida pelo envio de um enfermeiro, a depender do caso concreto, justamente por se tratar de uma tripulação mínima, conforme normatização vigente", afirmou.

Mu​​ndo ideal

O ministro ressaltou que, quando se trata de atendimento a pacientes graves, com a vida em risco, ou que demandem cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica, há previsão normativa de envio de ambulância tipo D ou Unidade de Suporte Avançado de Vida Terrestre, cuja equipe é de no mínimo três profissionais, sendo um condutor do veículo, um enfermeiro e um médico.

"As Portarias 2.048/2002 e 1.010/2012, que criaram as regras descritas, não ofendem as previsões da Lei 7.498/1986, mas, sim, pelo contrário, as detalham e concretizam no plano infralegal", declarou o relator.

Ao negar provimento ao recurso apresentado pelo Cofen, Og Fernandes concluiu que, "em um mundo ideal, seria interessante que cada ambulância, independentemente do tipo de atendimento que lhe cumprisse prestar, tivesse em sua tripulação enfermeiros e até mesmo médicos. Entretanto, não é essa a realidade dos fatos, especialmente no Brasil, país de conhecidas desigualdades sociais e regionais".

No contexto do fato, à luz do entendimento do Editor do JTNEWS

No que pese os argumentos do ministro Og Fernandes, de que mesmo não havendo precedentes idênticos ao julgamento que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu ou concluiu nessa quarta-feira (12/8), por meio da Primeira Seção, em julgamento de Recursos Especiais Repetitivos [Tema nº 1.024], de que teria que decidir para uniformizar os entendimentos sobre o mesmo caso, creio que o Tribunal da Cidadania como costuma ser chamado, data máxima vênia, cometeu uma injustiça, não somente com os enfermeiros, em absoluto.

Essa injustiça foi sobretudo, com as pessoas doentes que se submetem aos primeiros atendimentos de socorros no interior de uma ambulância [mas, muitas vezes também se não bem feitos podem ser os "últimos socorros"].

Foto: Malu Costa/JT NewsJacinto Teles, Editor do JT News
Jacinto Teles é Editor do JTNEWS e especialista em Direito Público

Quando o Tribunal por meio de seus julgadores, principalmente o relator dos casos (Resp's), o eminente ministro Og Fernandes, afirma que "a pretensão do cofen [Conselho Federal de Enfermagem] poderia prejudicar o sistema de saúde ao impedir a circulação das ambulâncias sem a contratação de milhares de enfermeiros em todo o país", parece estar querendo forçar a barra para justificar tal decisão.

Pois assim, deixa transparecer que a "pretensão" do Conselho Federal de Enfermagem é que está sendo condenada ou que esta seria maléfica à sociedade, quando na realidade aos entes públicos, por meio dos poderes executivos é que compete a efetivação das políticas públicas, em especial nessa sensível área de saúde.

Quisesse o "Tribunal da Cidadania" proferir uma decisão que melhor atendesse às pessoas envolvidas direta ou indiretamente na demanda, em busca da prestação jurisdicional do Estado-juiz, indiscutivelmente a Corte Superior de Justiça poderia conceder um prazo razoável para que os entes públicos se adequassem à decisão que melhor atendesse à população envolvida.

Esse tipo de julgamento é bastante recorrente no Supremo Trbunal Federal (STF), e denomina-se de "modulação dos efeitos da decisão".

Quando os mortais da Justiça querem julgar diferente, sempre encontram argumentos para julgar como querem que seja o resultado. Julgam as questões da forma que entendem ser justas [pois nem sempre existe um parâmetro do que é realmente justo, ou se existe, nem sempre seguem], da mesma forma que, quando querem dar celeridade ao julgamento dos processos, também dão. Isso é fato.

Nos parece que a decisão proferida não foi a que melhor se amolda ao conceito de Justiça, e, principalmente ao que melhor atende a maioria dos que necessitam desse serviço essencial de saúde.

Acerca do fato ora referenciado, há que existir uma visão holística dos doutos magistrados, pois o fato é muito mais amplo do que se imagina, transcende aos interesses corporativos dos enfermeiros, essa é indubitavelmente uma grande verdade.

Esse é o nosso entendimento, salvo melhor ou pior juízo.

Fonte: JTNEWS com informações do STJ

Comentários