CNJ aprova recomendações para sanear graves irregularidades no sistema prisional do Ceará

O Conselho Nacional de Justiça aponta "graves irregularidades identificadas no sistema prisional cearense" e aponta recomendações a serem cumpridas

O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, na terça-feira (8/3), os relatórios e as recomendações elaborados pela Corregedoria Nacional de Justiça e pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) para superação de graves irregularidades identificadas no sistema prisional cearense.

Foto: Rômulo Cerpa/CNJPlenário do CNJ recomenda saneamento de graves irregularidfades no sistema prisional do Estado do Ceará
Plenário do CNJ recomenda saneamento de graves irregularidfades no sistema prisional do Estado do Ceará

As recomendações são decorrentes dos resultados de inspeções realizadas, em novembro passado, em 26 unidades prisionais no estado e nas varas responsáveis pela fiscalização do cumprimento das penas e do funcionamento das prisões.

As mudanças mais urgentes e abrangentes se referem ao fim dos castigos coletivos, à fiscalização das unidades prisionais, à implementação de procedimento adequado ao tratamento de denúncias de tortura e violações de direitos e ao aprimoramento do controle processual por parte da magistratura. Por meio de procedimentos administrativos, o CNJ vai apoiar o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) no enfrentamento a desafios do sistema carcerário local.

A correição extraordinária realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça nas varas de execução penal da Justiça cearense e a inspeção em presídios conduzida pelo DMF ocorreram entre 16 e 19 de novembro do ano passado. A qualificação da inspeção prisional tem o apoio técnico do programa Fazendo Justiça, parceria em andamento desde 2019 entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para incidir em desafios no campo da privação de liberdade em todo o país.

Foto: Tribuna CearáLuis Mauro Albuquerque
Luis Mauro Albuquerque é o titular da Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará, acusado pelo CNJ de descumprimento de direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro

A atuação do CNJ no Ceará foi uma resposta às denúncias de violações de direitos humanos ocorridas no sistema penal do estado, que envolviam o descumprimento de prazos processuais e práticas de tortura, maus tratos e tratamento cruel ou degradante no interior dos estabelecimentos penais.

A missão esteve inserida no contexto do Plano Emergencial acordado em 2021 entre CNJ e TJCE, que busca o saneamento de sistemas, capacitação de equipes, reestruturação administrativa, revisão normativa, implementação de novos fluxos e rotinas nas temáticas da audiência de custódia, alternativas penais, monitoração eletrônica, fiscalização de unidades prisionais, análise de processos de execução penal, e recebimento e tratamento de denúncias de tortura, maus tratos ou tratamento cruel e degradante contra pessoas custodiadas.

Durante a 346ª Sessão Ordinária, o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, que foi o relator do Pedido de Providências n. 0001284-04.2022.2.00.0000, destacou que “a Constituição Federal determina que todo preso tem direito inalienável à manutenção da sua integridade física e moral” e ressaltou que a ação conjunta da Presidência do CNJ e Corregedoria Nacional de Justiça dá exemplo para que Corregedorias e Presidências de tribunais de todo o país atuem num mesmo sentido para a verificação do cumprimento do devido processo legal e do tratamento concedido aos presos à luz dos cânones constitucionais.

De acordo com a corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, os relatórios submetidos ao Plenário mostram a necessidade de avanços no sistema prisional do estado do Ceará. “Precisamos reconhecer que ainda temos um caminho a ser percorrido para que nós possamos eliminar – não só no Ceará, mas em termos nacionais – esse estado de coisa inconstitucional que reconheceu o Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF n.347. Nossa vocação, enquanto CNJ, como órgão superior e central da administração do Poder Judiciário nacional, não permite que nos eximamos dessa responsabilidade.”

Supervisor do DMF, o conselheiro Mauro Martins apontou que foi constatada uma situação de descumprimento de direitos constitucionais e fundamentais. Ele lembrou que o Brasil é signatário de tratados internacionais sobre a matéria, o que reforça a importância desse trabalho e da atuação conjunta para superação dos problemas identificados.

Para o coordenador do DMF, Luís Lanfredi, a evolução positiva nos últimos meses, com engajamento do Judiciário local, mostra o potencial de replicação da metodologia para outras realidades. “A superação do quadro de violação histórica e sistêmica de direitos que caracteriza o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro somente poderá ser superada mediante a atuação comprometida e articulada entre diversos órgãos e atores. O quadro reconhecido pelo STF não se limita a unidades da federação específicas. Com essa metodologia de trabalho, garantimos uma resposta robusta a desafios semelhantes que se apresentem para resultados rápidos e efetivos.”

Recomendações

A premissa que inspirou a atuação do CNJ foi de que se trata de ação preventiva, pedagógica, corretiva e continuada, destacando o protagonismo e a cooperação que o TJCE assumiu desde o início do planejamento da missão. Foram elaboradas recomendações que têm por objeto assuntos complexos e de responsabilidade de distintos atores e instituições.

O CNJ recomendou à Presidência e à Corregedoria-Geral do TJCE que procure a Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará para revogar, em 30 dias, os atos normativos que originaram o quadro em questão. De acordo com o relatório das inspeções ao sistema prisional cearense, há relatos de maus-tratos e tortura contra presos por parte da polícia penal. Castigos seriam aplicados sem representar resposta a um ato de indisciplina de um preso, cela ou ala do presídio.

Além disso, o TJCE deverá apoiar a criação de uma Ouvidoria específica para o sistema penitenciário local, que deve ser um canal independente, confiável e sigiloso de tratamento de denúncias relativas à atuação de servidores e à situação das pessoas presas. E deverá acionar também o Ministério Público do Trabalho para que acompanhe, continuamente, as condições de trabalho de profissionais do sistema prisional, principalmente no que diz respeito às situações de adoecimento mental e de tratamento das denúncias de assédio e impedimento da atuação sindical.

O TJCE também devem estabelecer junto às autoridades prisionais do estado, no prazo de 30 dias, novos procedimentos para as visitas sociais nos estabelecimentos prisionais. O objetivo é aumentar o tempo de contato entre a pessoa presa e familiares, que está comprometido pelas regras da administração prisional para reduzir o do risco de disseminação da pandemia da Covid-19. Segundo o relatório, as visitas sociais ocorrem a cada 21 dias, com duração máxima de 30 minutos, incluído o tempo dos procedimentos de identificação, revista pessoal, entre outros.

Dentro de 45 dias, o TJCE e o CNJ devem definir um cronograma de ações para regularizar a documentação civil de pessoas presas, tanto as que ingressaram via audiências de custódia, quanto as que já se encontram presas. A ação é uma das 28 atividades desenvolvidas pelo programa Fazendo Justiça, que vem estruturando um fluxo permanente de identificação civil e documentação em todo o país.

Execução penal

Os relatórios do CNJ documentam uma série de irregularidades ocorridas e aponta soluções específicas para as diferentes situações encontradas. Há recomendações que dizem respeito ao aprimoramento de rotinas processuais aplicadas na execução penal e saneamento dos sistemas disponíveis para acompanhamento das prisões, mas também há medidas direcionadas à garantia das condições das prisões e da dignidade das pessoas detidas.

O CNJ recomenda também uma revisão de tratamento dispensado a públicos específicos do sistema prisional, como LGBTQIA+, mães, gestantes e lactantes, conforme já previsto em Resoluções do CNJ.

Há demandas relacionadas a demandas básicas da população carcerária, como acesso a água potável, atendimento de saúde, além de material de higiene pessoal e limpeza das instalações físicas. Há queixas de falta de oportunidades de estudo e trabalho dentro das unidades prisionais, com os respectivos benefícios, ao contrário do que prevê a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).

O relatório das correições das varas foi produzido a partir do trabalho da equipe designada pela Portaria Conjunta Pres/CN n. 1/2021 pelos seguintes magistrados: Albino Coimbra Neto (TJMS), Antonio Alberto Faiçal Júnior (TJBA), Carl Olav Smith (TJRS/CNJ), Eduardo Lino Bueno Fagundes Júnior (TJPR), Flávio Oliveira Lauande (TJPA), Gabriel da Silveira Matos (TJMT/CNJ) e Walter Godoy dos Santos Junior (TJSP/CNJ), com auxílio dos assessores Hícaro Augusto Bertoletti (TJMS), Filipi Garcia (TJPR), Dário Marçal Barroso (TJBA) e Francinaldo Figueira Bentes (TJPA).

Em relação às inspeções no sistema prisional, o trabalho foi conduzido pelos seguintes juízes: Luis Geraldo Sant’Ana Lanfredi (TJSP/DMF/CNJ), Antônio Maria Patiño Zorz (TJSP), Fernando Pessôa da Silveira Mello (STM), Jayme Garcia Dos Santos Junior (TJSP), Jeremias de Cássio Carneiro de Melo (TJPB), Josias Martins de Almeida Junior (TJSP), Leandro Eburneo Laposta (TJSP), Marcelo Silva Moreira (TJMA), Philippe Guimarães Padilha Vilar (TJPB), Rogerio Alcazar (TJSP) e pela assessoria do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, representada pela Diretora Executiva Natália Albuquerque Dino, pelas Defensoras Públicas Mariana Py Muniz e Caroline Xavier Tassara, pela analista do Ministério Público da União Nayara Teixeira Magalhães, juntamente com os coordenadores do Programa Fazendo Justiça Valdirene Daufemback, Pollyanna Bezerra Lima Alves, Fernanda Machado Givisiez e Rafael Barreto Souza.

Para o juiz Antônio Patiño, o trabalho conjunto desenvolvido por magistrados de todo o país traz ganhos diversos. “Fica evidente que há uma unidade de resposta do judiciário nacional quanto a desafios que são comuns, no sentido de qualificar a prestação jurisdicional no campo da justiça criminal e de execução penal, mas também saímos com um ganho importante para incidirmos em nossas próprias realidades”.

Coordenadora-geral do programa Fazendo Justiça, Valdirene Daufemback, destaca a customização das atividades no Ceará, com metodologia e instrumento adequados à realidade do estado. “Houve análise de ambientes e documentos, entrevistas com servidores e pessoas presas, oitiva de movimentos sociais e autoridades dos diferentes poderes, resultando em documento com importantes recomendações”. Em 2022, o Fazendo Justiça apoiará o CNJ com atividades voltadas ao fortalecimento de inspeções em todo o país. O monitoramento das recomendações será realizado pelo DMF e pela Corregedoria Nacional de Justiça.

Fonte: JTNEWS com informações do CNJ

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