Ativismo Judicial ou Judicialização? II, por Brandão de Carvalho

"Já pensaram numa magistratura politizada, sem as garantias pétreas que detêm para manterem sua autoridade e imparcialidade perante seus jurisdicionados?"

Como prometemos, estamos voltando ao tema do Ativismo Judicial, por ser um tema aparentemente fácil, tem suas nuances dentro da doutrina e da prática judicial, porquanto é um assunto que não interessa somente àqueles que manejam o direito mas com reflexos profundos em seus resultados quanto ao seu destinatário maior, a própria sociedade na qual deságuam todas as nossas aspirações na boa prática do direito, na distribuição equânime da justiça. 

Foto: Jacinto Teles/JTNEWSBrandão de Carvalho
Brandão de Carvalho discorre sobre temas do cotidiano

Como asseveramos, aparentemente um tema sensível que toca ao interesse de cada um de nós, direta ou indiretamente nas decisões diárias dos tribunais, através dos aplicadores da lei, objetivamente os magistrados, por decisões monocráticas ou colegiadas, criticadas por alguns e aprovadas por alguns tantos; não emitiremos juízo de valor sobre a questão, apenas exporemos as teses favoráveis ou antagônicas para a livre análise dos leitores e que possam analisarem os prós e os contras acerca do tema. 

Na primeira parte, fizemos pesquisas não muito aprofundadas, em face a extensividade do trabalho e a síntese que poderemos trabalhar neste meio digital.
Chamou-me atenção, a tese de graduação do jurista HIGOR FARIAS SILVA, da Universidade Federal da Paraíba onde ele com percuciência devidamente elaborada, desenvolve o seu trabalho sobre o Ativismo Judicial, como assegurados de direitos fundamentais sociais, frente à inércia e omissão dos poderes executivos e legislativos, sobre a ótica dos direitos a Educação e a Saúde.

Foto: Jacinto Teles/JTNewsSTF 1
STF: Tribunal Constitucional do Brasil; na omissão legiferante do Congresso a Suprema Corte não raro é acusada de legislar

É um trabalho de conclusão de curso, mas profundamente explorado pelo jovem cursando, que malgrado conhecer obras mais aprofundadas de autores renomados, esse trabalho me mostrou altamente incensurável.

Diz ele que o “Ativismo Judicial, nada mais é do que uma postura adotada pelo magistrado, que frente as causas que recebe, busca interpretar o ordenamento jurídico de uma maneira mais aberta, dando força normativa aos princípios e valores previstos constitucionalmente, aplicando em suas decisões”. Conceito claro, compreensível a todos, mesmo sem ser da área jurídica, que de forma clarividente, não deixa margens a dúvidas.

Esse ativismo se expande de maneira mais evidente no tocante aos chamados direitos sociais e constitucionais que têm sido recorrentemente deixados em segundo plano pelos outros poderes constitutivos da República, mas sem adentrar a reserva do possível evitando a invasão de competências, quebrando o princípio pétreo e basilar da separação dos poderes, como explicamos no primeiro opúsculo.

Antes, porém, temos que falar do princípio da inafastabilidade da jurisdição, porquanto a função primordial do judiciário é proteger o direito das pessoas, dirimir os conflitos sociais que são imanentes da "grei" humana, mas teremos que analizar outros pontos importantes.

O autor em comento, num contexto de um escorço histórico, o qual nos ombreamos, assevera que com a queda do positivismo (todas as nossas primitivas legislações a ele aderiram), veio o pós positivismo, seguido do neoconstitucionalismo, com as nossas constituições com superioridade a todas as legislações infraconstitucionais onde os valores sociais, foram elencados a culminância expressiva dos direitos, donde o exercitamento  da jurisdição se torna mais eloquente e mais livre, no que tange a interpretação da lei (hermenêutica jurídica), mas mesmo assim, com vinculação aos ditames da Lei Magna.

 HYGO FARIAS SILVA se reportando ao Ativismo Jurídico, toca num ponto neurálgico com palavras singelas, mas verdadeiras que aqui as transcrevo:
“para piorar a crise, a população começa a se dar conta que se de um lado o legislativo é inerte, deixando de implementar direitos e prerrogativas de caráter social previstos constitucionalmente, por outro lado pautas que beneficiavam a classe política são constantemente atendidas.

Diante dessa ineficácia do legislativo, em garantir ao cidadão o que lhe é minimamente de direito se ergue uma postura do Judiciário em se tornar mais atuante na esfera social, principalmente no que diz respeito à efetivação de direitos fundamentais previstos na atual Constituição.

O judiciário se torna um elo entre as reivindicações populares e os direitos e garantias asseguradas pela Constituição Federal. E sobre esse prisma é que passa a suprir funções que seriam próprias de outros poderes, mas que por ineficiência e inércia deles desloca-se para as mãos do judiciário."

Essa é uma verdade inconteste, que se extrai das decisões dos juízos de primeiro grau, de desembargadores federais ou estaduais, ministros dos tribunais superiores, que em face da ausência dos outros poderes constituídos, são obrigados por postulações dos prejudicados, por seus advogados, buscarem a justiça, o direito, que lhes foram negados.

Exatamente por essas motivações, não poderemos dizer que haja invasão de um poder por outro, uma vez que as necessidades da população não estão sendo atendidas, havendo uma convivência pacífica e harmônica, sem a suposta interveniência de um poder sobre o outro, já que aquele se tornou hesitante, inerte, imobilizado quanto aos seus fins e finalidades.

Foto: Jacinto Teles/JTNewsCongresso Nacional - Câmara dos Deputados e Senado Federal
Congresso Nacional que por vezes tem recebido o título de inerte na sua função típica, qual seja, a de legislar constitucionalmente

Muito se questiona entre os ideólogos da esquerda, da direita, do centro, entre até mesmo pessoas do senso comum, que os juízes não tem representação política, porquanto não foram eleitos pelo povo. Já pensaram numa magistratura politizada, sem as garantias pétreas que detêm para manterem sua autoridade e imparcialidade perante seus jurisdicionados? Nós magistrados temos uma representação política não partidária. 

O direito se aproxima da política porque sua criação é fruto da vontade da maioria que se manifesta na Constituição e nas leis. Vejamos o que ROBERT ALEXY, sobre o que abordamos agora nos diz: “com isso deve ser dito que a representação do povo pelo Tribunal Constitucional tem um caráter mais idealístico de que aquele do parlamento.

O cotidiano da exploração parlamentar mantém o perigo que as maiorias imponham-se desconsideradamente, emoções determinam o ocorrer, dinheiro e relações de poder dominam e simplesmente sejam cometidos erros graves. Um Tribunal Constitucional que se dirige contra tal, não se dirige contra o povo, mas, em nome do povo, contra seus representantes políticos". [Constitucionalismo Discursivo, trad. Heck  Luiz Afonso].

* Brandão de Carvalho é escritor, membro da Academia Piauiense de Letras Jurídicas e desembargador do Estado do Piauí.

Fonte: JTNEWS

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