Para evitar o desaparecimento de cadáveres no sistema prisional fluminense em meio à pandemia de covid-19, o Grupo de Trabalho Defesa da Cidadania – com 10 instituições públicas e da sociedade civil – expediu nota técnica com 12 recomendações sobre a identificação de cadáveres, enterros e outros atos.
O documento resulta da entrada em vigor da portaria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Ministério da Saúde que permite o sepultamento e a cremação sem certidão de óbito devido aos impactos sanitários e funerários do avanço da covid-19 (Portaria CNJ/MS 1/2020).
A nota técnica foi enviada ao ministério e à Procuradoria-Geral da República, com solicitação de encaminhamento ao CNJ.
Famílias ouvidas pelo GT relataram a identificação potencial de casos com sintomas da síndrome gripal que, diante da baixa quantidade de testes, não têm sido tratados como covid-19, conforme a recomendação da OMS. Para o GT, essa conduta, se confirmada, poderia ocultar casos da doença no sistema prisional e implicar a rápida disseminação e proliferação da doença nos presídios.
Estado do Rio
O estado do Rio de Janeiro editou resolução que, em reação à crise de saúde pública pela covid-19, autorizou médicos do sistema prisional a declararem óbito dos internos sem a ação do Instituto Médico-Legal, acionado apenas para mortes por causa externa (homicídio, suicídio e acidente) ou causa suspeita.
O GT avaliou que a mudança afronta recomendações da Organização Mundial de Saúde, Ministério da Saúde e outras autoridades sanitárias.
“Grupos inteiros de presos poderão simplesmente desaparecer sem declaração de óbito ou com declarações não efetivamente preenchidas, sem controle externo que possa averiguar características de sua causa mortis, potencializando ainda a prática de tortura e execuções no sistema, inclusive pela segurança de sua não detecção por órgãos externos”, frisam os especialistas das 10 instituições do GT (v. abaixo). “Amplia-se em demasia o poder já totalizante nas unidades prisionais, cabendo a estas a decisão de quando, como e se irá notificar a família do apenado.
Mais grave ainda, controlará de forma discricionária em que termos irá permitir que informações sobre diminuição, aumento ou existência de óbitos por covid-19 ou outros motivos, cheguem ao público, cenário ainda mais preocupante quando se percebe um completo fechamento à transparência da Seap/RJ desde o início da pandemia.”
Para o GT, a falta de transparência da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap/RJ) pode comprometer o cumprimento da obrigação internacional do Brasil de fazer exame cadavérico em pessoas presas que venham a óbito, com ou sem violência.
As 12 medidas requeridas pelo GT incluem: a proibição de cremação de restos mortais não identificados ou não reclamados; o uso de formulário-padrão para esses cadáveres; e o sepultamento obrigatório de bens portados pela pessoa ao morrer, envoltos em saco plástico e com uma etiqueta de identificação igual à usada no cadáver.
Grupo interistitucional
Coordenado pelo Ministério Público Federal (MPF), o GT é formado por especialistas de instituições do sistema de justiça – Defensorias Públicas (DPU e DPE/RJ), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ) e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RJ – e da sociedade civil: Centro de Assessoria Popular Mariana Criola, Fórum Grita Baixada, Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro, Maré 0800 – Movimento de Favelas do Rio de Janeiro e Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência. No MPF, o GT está vinculado à Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional.
Íntegra da Nota técnica
Fonte: ASCOM/MPF (RJ/ES)