TCU derruba publicidade de R$ 10 milhões para divulgar pacote Anticrime de Moro e Bolsonaro

Tribunal solicita à Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República que apresente, no prazo de 15 dias, esclarecimentos quanto ao fundamento legal utilizado para a campanha milionária

O Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) referendou por 06 votos a 02 a medida cautelar concedida pelo ministro Vital do Rêgo que suspendeu a execução dos contratos para divulgação do denominado “pacote anticrime”.

Foto: DivulgaçãoTCU
Sede do Tribunal de Contas da União em Brasília

O TCU solicitou à Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República que apresente, no prazo de 15 dias, esclarecimentos quanto ao fundamento legal utilizado e justificativas para lastrear a realização de despesas com a campanha referente ao “pacote anticrime”. 

A decisão suspende a execução das novas ações de produção e veiculação, mas não afeta as medidas já executadas. O JTNeus transcreve a seguir os principais trechos da análise da Decisão do Tribunal de Contas da União.

ANÁLISE E DECISÃO

4. Apresentados de forma breve os fatos narrados, passo a decidir. Inicialmente, conheço da presente representação eis que satisfeitos os requisitos legais previstos nos artigos 235 e 237 do Regimento Interno do TCU.

5. Verifico que o objeto central da presente representação diz respeito à legalidade da utilização de recursos públicos para a realização de campanha publicitária destinada a promover o “pacote anticrime” do Governo Federal.

Foto: DivulgaçãoVital do Rego
Vital do Rego - ministro do TCU

6. Ocorre que o referido pacote está incluído no Projeto de Lei 882/2019, de iniciativa do Poder Executivo, apensado ao PL 10.372/2018, que tramita atualmente na Câmara dos Deputados. Segundo a ementa do texto original o referido projeto: Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, a Lei nº 11.671, de 8 de maio de 2008, a Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, e a Lei nº 13.608, de 10 de janeiro de 2018, para estabelecer medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência a pessoa.

7. Portanto a discussão que se tem é no sentido de ser ou não possível ao Poder Executivo Federal utilizar recursos públicos para difundir campanha publicitária que trata de projeto de lei de sua iniciativa, submetido ao Congresso Nacional e que ainda se encontra em discussão no parlamento.

8. Colocando de outra maneira, é preciso responder se há amparo constitucional e legal para que despesa pública seja realizada com vistas a promover “projeto de lei” na fase de sua tramitação pelo poder legislativo, já que nessa situação, tais projetos necessariamente devem ser democraticamente discutidos no âmbito das casas legislativas, antes de sua conversão em lei em sentido estrito, razão pela qual o conteúdo preliminar submetido ao escrutínio do parlamento poderá sofrer drásticas alterações, fato que poderia tornar a referida divulgação inócua, desperdiçando recursos públicos.

9. A primeira referência para identificar a legalidade da utilização de recursos públicos com a referida finalidade passa pela Constituição Federal, em especial, o art. 37, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

10. Portanto, o dispositivo constitucional mencionado prescreve que, em atenção aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social.

11. Na situação concreta, ao menos em juízo de estrita delibação, entendo que a utilização de recursos públicos para a divulgação de “um projeto de lei” que, em tese, poderá, de forma democrática, sofrer alterações sensíveis após as discussões que serão levadas a efeito pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal não atendem aos requisitos de caráter educativo, informativo e de orientação social. Isso porque, como qualquer projeto de lei, o que se tem são teses abstratas que serão alteradas pelos legitimados a representar a população. Assim, não se poderia falar que tal campanha tem por objeto educar, informar ou orientar já que ainda não há uma regra decidida e aprovada pelo poder legislativo que reúna condições para tanto.

12. Verifico, também, que há ao menos duas normas infraconstitucionais que regulam a publicidade do governo federal. São elas a Lei 12.232/2010 que trata das normas gerais para licitação e contratação de serviços de publicidade prestados por agências de propaganda, e o Decreto 6.555/2008, que dispõe sobre as ações de comunicação do Poder Executivo Federal.

13. Observo que o sobredito decreto traz as seguintes orientações a respeito das ações de comunicação do Poder Executivo Federal: Art. 1 o As ações de comunicação do Poder Executivo Federal serão desenvolvidas e executadas de acordo com o disposto neste Decreto e terão como objetivos principais:

I - dar amplo conhecimento à sociedade das políticas e programas do Poder Executivo Federal;

II - divulgar os direitos do cidadão e serviços colocados à sua disposição;

III - estimular a participação da sociedade no debate e na formulação de políticas públicas;

IV - disseminar informações sobre assuntos de interesse público dos diferentes segmentos sociais; e

V - promover o Brasil no exterior. (...) Art. 3º As ações de comunicação do Poder Executivo Federal compreendem as áreas de: I - Comunicação Digital; II - Comunicação Pública; III - Promoção; IV - Patrocínio; V - Publicidade, que se classifica em: a) publicidade de utilidade pública; b) publicidade institucional; c) publicidade mercadológica; e d) publicidade legal;

14. Ao conceituar as espécies de publicidade aludidas no art. 3º, inciso V do Decreto 6.555/2008, a Instrução Normativa 7 de 19 de dezembro de 2014, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República traz as seguintes definições: Art. 3º As espécies de publicidade de que trata o art. 3º, inciso V, alíneas “a” a “d”, do Decreto nº 6.555/2008 são conceituadas como segue:

I - Publicidade Institucional: destina-se a posicionar e fortalecer as instituições, prestar contas de atos, obras, programas, serviços, metas e resultados das ações do Poder Executivo Federal, com o objetivo de atender ao princípio da publicidade e de estimular a participação da sociedade no debate, no controle e na formulação de políticas públicas e de promover o Brasil no exterior;

II - Publicidade de Utilidade Pública: destina-se a divulgar temas de interesse social e apresenta comando de ação objetivo, claro e de fácil entendimento, com o objetivo de informar, educar, orientar, mobilizar, prevenir ou alertar a população para a adoção de comportamentos que gerem benefícios individuais e/ou coletivos;

III - Publicidade Mercadológica: destina-se a alavancar vendas ou promover produtos e serviços no mercado;

IV - Publicidade Legal: destina-se a divulgar de balanços, atas, editais, decisões, avisos e de outras informações dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, com o objetivo de atender a prescrições legais.

15. Observo, também, que no endereço eletrônico da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República1 consta a seguinte definição para Publicidade de Utilidade Pública: Obedece ao princípio constitucional da publicidade, mediante ações que visam informar, esclarecer, orientar, mobilizar, prevenir ou alertar a população ou segmento da população para adotar comportamentos que lhe tragam benefícios sociais, com a finalidade de melhorar a sua qualidade de vida. A ação se desenvolve por meio da divulgação de conteúdos vinculados a objetivos sociais de interesse público, que assuma caráter educativo, informativo, de mobilização ou de orientação social, ou ainda que contenha uma orientação à população que a habilite ao usufruto de bens ou serviços públicos e que expresse, com objetividade e clareza, mediante a utilização de linguagem de fácil entendimento para o cidadão.

16. Considerando as definições trazidas pela aludida instrução normativa bem como a que consta no endereço eletrônica da Secom/PR, tenho dificuldades de encaixar nas referidas definições, a divulgação de uma campanha publicitária que tem por objeto um “projeto de lei” que ainda tramita no âmbito do Congresso Nacional e que não foi devidamente discutido pelo parlamento.

Foto: Sérgio Lima/Poder360Bolsonaro e Sergio Moro: campanha do governo visa a dar visibilidade ao projeto defendido pelo ministro da Justiça
Bolsonaro e Sérgio Moro: campanha do governo visava dar imensa publicidade do Projeto junto à população

Deixemos de trancrever o demonstrativo financeiro, que copnsiste no detalhamento do gasto que foi inserido na espécie “Publicidade de Utilidade Pública”, cuja definição consta no art. 3º, inciso II da Instrução Normativa 7/2014, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

O ministro relator do TCU, Vital do Rego, acrescenta na sua decisão cautelar que, "Conforme já mencionei não vislumbro como alinhar a divulgação de um projeto de lei que ainda será discutido pelo parlamento com o objetivo de “de informar, educar, orientar, mobilizar, prevenir ou alertar a população para a adoção de comportamentos que gerem benefícios individuais e/ou coletivos”.

Diz ainda: "Observo que a LOA 2019 somente contemplou com dotação, a ação orçamentária “Publicidade de Utilidade Pública”, no Orçamento da Presidência da República, dentro do programa “Democracia e aperfeiçoamento da Gestão Pública” (2038.4641.0001)5 . Nesse contexto, a discussão passa pela possibilidade ou não de enquadrar os gastos em questão na referida ação orçamentária (Publicidade de Utilidade Pública), eis que é a única que, dentro do programa “Democracia e aperfeiçoamento da Gestão Pública”, contempla dotação no orçamento da Presidência da República previsto na LOA 2019. 19. Considerando o breve relato apresentado, entendo que há fortes indícios de que a contratação da campanha publicitária atinente ao denominado “pacote anticrime” não se enquadra na ação orçamentária “Publicidade de Utilidade Pública”, justificando, assim a adoção de medida cautelar com vistas a suspender a execução do contrato publicitário firmado até que esta Corte de Contas se pronuncie no mérito a respeito dos fatos apontados, eis que, a continuar em vigência, o aludido contrato poderá redundar em despesa realizada fora da finalidade legal prevista," declarou o ministro do TCU.

Foto: JTNews/ Jacinto TelesSede do Ministério da Justiça e Congresso Nacional
Sede do Ministério da Justiça e do Congresso Nacional que discute o Projeto denominado Anticrime

CONCLUSÃO DA DECISÃO:

23. Diante do exposto, e considerando juízo de estrita delibação, acolho, no essencial, o requerimento formulado pelo representante e determino:

23.1. cautelarmente, com fulcro no art. 276, caput, do Regimento Interno do TCU, à Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, que suspenda a execução dos contratos firmados com vistas à divulgação do denominado “pacote anticrime”, até que o Tribunal se posicione sobre o mérito desta representação;

23.2. a oitiva, nos termos do art. 276, § 3º, do Regimento Interno/TCU, do titular da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República, Sr. Fábio Wajngarten para, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre os fatos relatados nesta representação, esclarecendo e apresentando, também, as seguintes informações:

23.2.1. fundamento legal utilizado e justificativas para lastrear a realização de despesas com a campanha referente ao “pacote anticrime”;

23.2.2. despesa total prevista com a divulgação do referido pacote bem como o total empenhado, liquidado e pago;

23.2.3. enviar cópia do processo licitatório referente à contratação da empresa responsável pelas ações de divulgação, acompanhado de termo de referência que detalhe o objeto contratado, bem como do contrato firmado, entre outros documentos que entender pertinentes à discussão;

24. Após a manifestação do titular da Secom/PR, determino a remessa dos autos à SecexAdministração para que proceda a instrução do feito, ficando desde já autorizada a realizar as medidas saneadoras que se fizerem necessárias. 25. Encaminhem-se os autos à unidade técnica para que sejam expedidas as notificações de que trata o presente despacho.

Brasília, 8 de outubro de 2019. (Assinado Eletronicamente) Ministro VITAL DO RÊGO Relator.

CONFIRA AQUI A ÍNTEGRA DA DECISÃO DO TCU.

Fonte: JTNews com informações do TCU

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