Pazuello negociou Coronavac por quase o triplo do preço, indica material da CPI

Vídeo mostra o ex-ministro da Saúde em reunião com intermediários, que ofereciam vacina originada na China a valor três vezes maior do que o do Butantan

Eduardo Pazuello recebeu no Ministério da Saúde empresários que se apresentavam como intermediários para a compra da vacina Coronavac com o governo da China e prometeu fechar contrato para a aquisição de 30 milhões de doses. A proposta previa um valor por dose quase três vezes o fechado com o Instituto Butantan.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência BrasilO ministro da Saúde, Eduardo Pazuello
Vídeo mostra o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em reunião com intermediários, que ofereciam vacina originada na China a valor três vezes maior do que o do Butantan

Um vídeo registrando o encontro chegou à CPI da Pandemia e foi enviado por um colaborador, que também remeteu aos senadores a "memória da reunião", como confirmaram à CNN os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

De acordo com o relato, o encontro com Pazuello ocorreu no dia 11 de março e a oferta do grupo que dizia conseguir viabilizar o negócio era de US$ 28 a dose - ou R$ 154,99 pelo câmbio daquele dia. O acordo com o Instituto Butantan fechado em janeiro pelo governo brasileiro era de R$ 58,20 a dose.

A reunião de Pazuello com o grupo foi registrada em vídeo. O caso foi revelado pela "Folha de S.Paulo" e a CNN teve acesso ao material que está em posse da CPI da Pandemia.

No vídeo, Pazuello anuncia que está reunido na pasta e que a comitiva é liderada por um homem chamado John. O ex-ministro deixa claro que a intenção do governo é finalizar as tratativas o quanto antes.

O vídeo mostra o então ministro satisfeito por estar com os intermediários, que poderiam trazer mais opções de vacinas ao país.

“Nós estamos aqui reunidos no Ministério da Saúde, recebendo uma comitiva liderada pelo John, uma comitiva que veio tratar da possibilidade de nós comprarmos 30 milhões de doses numa compra direta com o governo chinês e já abre também uma nova possibilidade de termos mais doses e mais laboratórios, vamos tratar semana que vem. Mas saímos daqui hoje já com memorando de entendimento assinado e com o compromisso do Ministério de celebrar no mais curto prazo um contrato para podermos receber essas 30 milhões de doses no mais curto prazo possível, pra atender nossa população e conseguirmos controlar a pandemia que está tão grave no nosso país. Muito obrigado, John.”

O empresário identificado como John respondeu então que o ministro propôs “porta aberta“ e que poderia ser o início de uma parceria de longo prazo.

“Muito obrigado, ministro, pela oportunidade de nos receber também, como empresário, eu acho que sempre nós pensamos no trabalho, mas principalmente na contribuição social que podemos oferecer hoje. E junto em parceria com tanta porta aberta que o ministro nos propôs, eu acredito que nós podemos fazer essa parceria por um longo e duradouro tempo para vários produtos inclusive se necessário, tá? Mas vamos focar na pandemia, o que nós podemos ajudar e o que estiver dentro nosso alcance, estaremos a disposição para vossa excelência."

Em depoimento à CPI da Pandemia, em 16 de julho, Pazuello afirmou que não tratava diretamente com empresas sobre contratos e compra de imunizantes.

“Sou o dirigente máximo, eu sou o decisor, eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo, não o Ministro. Se o Ministro... Jamais deve receber uma empresa, o senhor deveria saber disso“, disse respondendo pergunta do relator, o senador Renan Calheiros.

Aos senadores, Pazuello estava explicando que não esteve à frente dos trâmites com a Pfizer e que não cabia a ele cumprir esse papel. “Eu queria dizer que não posso colocar, o Ministro não pode receber as empresas, o Ministro não pode fazer negociação com empresa, o Ministro não pode fechar“, afirmou.

A memória da reunião indica ainda que o grupo chegou ao ministério por indicação do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso. “Quem solicitou a primeira reunião foi o senador Eduardo Gomes (mas depois não acompanhou ou cobrou o processo)“, diz o material.

Gomes afirmou à CNN que não indicou diretamente o grupo e que seu gabinete não encontrou registro dessa solicitação. Ele diz, porém, que a orientação à época era que pedidos relacionados ao enfrentamento da pandemia deveriam ser encaminhados ao Ministério da Saúde. Segundo o senador, algum parlamentar pode ter pedido e sua equipe então remetido à pasta.

Foto: DivulgaçãoVacina CoronaVac
A oferta do grupo que dizia conseguir viabilizar o negócio era de US$ 28 a dose - ou R$ 154,99 pelo câmbio daquele dia. O acordo com o Instituto Butantan fechado em janeiro pelo governo brasileiro era de R$ 58,20 a dose

O material detalha como deveriam ser os trâmites para que o negócio fosse fechado. A partir da reunião, uma carta de intenção deveria ser enviada pela secretaria-executiva, comandada naquela época por Élcio Franco. Depois, o governo chinês enviaria um posicionamento oficial, indicando disponibilidade e o cronograma de entrega. E, havendo confirmação de interesse por parte do governo brasileiro, o processo de aquisição seria iniciado.

A CNN entrou em contato com a Secom, AGU e Ministério da Saúde, mas ainda não teve retorno. A Sinovac, empresa que desenvolveu a Coronavac, ainda não retornou o contato.

Em nota, o Instituto Butantan afirmou que "não teve acesso ao conteúdo na íntegra do vídeo envolvendo negociações entre o Ministério da Saúde e intermediários sobre aquisição de vacinas e, portanto, não conhece o teor exato da reunião. Informa, ainda, que é o único representante da SinoVac no Brasil e na América Latina para a comercialização da vacina CoronaVac, fato público e de conhecimento geral".

O ministro Eduardo Pazuello se manifestou sobre o caso em nota abaixo.

“Enquanto estive como Ministro da Saúde, em momento algum negociei aquisição de vacinas com empresários, fato que já foi reiteradamente informado na CPI da Pandemia e em Outras Instâncias Judicantes.

A mencionada reunião com os representantes da Empresa World Brands Distribuidora S/A (representante comercial da Empresa Chinesa Sinovac Biotech Ltd. no BRASIL) ocorreu após um pedido formal endereçado ao Ministério da Saúde, conforme documento colacionado em anexo.

Diante da importância da temática, determinei à Secretaria Executiva do Ministério da Saúde que fizesse uma pré-sondagem acerca da proposta a ser ofertada pela World Brands Distribuidora S.A. (Sinovac Biotech Ltd.).

Ante a importância da temática, uma Equipe do Ministério da Saúde os atendeu e este então Ministro de Estado – que detém o papel institucional de representar o Ministério da Saúde – foi até a sala unicamente para cumprimentar os representantes da Empresa, após o término da reunião.

A Assessoria de Comunicação do Ministério da Saúde então sugeriu que fosse realizada a gravação de um pequeno vídeo de memória, para posterior publicização dos atos e fatos da Administração Pública, conforme o art. 37, caput, da Carta da República.

Após a gravação, os empresários se despediram e, ato contínuo fui informado que a proposta era completamente inidônea e não fidedigna. Imediatamente, determinei que não fosse elaborado o citado Memorando de Entendimentos – MoU –, assim como que não fosse divulgado o vídeo realizado.

Merece destaque o fato de que todas as contratações de vacinas contra COVID19 pelo Ministério da Saúde foram precedidas de MoU ou Carta de Intenções e que todos eles foram não vinculantes, ou seja, sem exigência futura de celebração de contrato nem obrigação de pagamento.

No caso em questão, não foram localizados no Ministério da Saúde qualquer MoU, Carta de Intenções ou processo de aquisição das vacinas ofertadas pela empresa World Brand.

Reitera-se que nunca houve resistência do Ministério da Saúde quanto à negociação de quaisquer vacinas, desde que houvesse o mínimo de plausibilidade fática e juridicidade da proposta.”

Fonte: JTNEWS com informações da CNN Brasil

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