O Presidente é o DESASTRE: Bolsonaro contrariou órgãos de saúde e distorceu cenário do CORONAVÍRUS

Em pronunciamento, presidente fez ironia com Drauzio Varella, criticou governadores e disse ter histórico de atleta: "uma irresponsabilidade sem limites", conforme entendimento de parlamentares

SÃO PAULO - Folha de S.Paulo

​​​Em pronunciamento na televisão na noite dessa terça-feira (24), o presidente Jair Bolsonaro criticou o fechamento de escolas e do comércio, contrariou orientações dos órgãos de saúde e atacou governadores.

Foto: ReproduçãoJair Bolsonaro faz pronunciamento e descumpre normas internacionais de saúde
Jair Bolsonaro faz pronunciamento e descumpre normas internacionais de saúde

​As declarações imediatamente provocaram repúdio de congressistas e opositores.

Em sua fala, Bolsonaro questionou procedimentos que têm sido adotados por todo o mundo, como o fechamento de escolas, e minimizou riscos da doença, como ao sugerir que as medidas de controle se restrinjam apenas aos mais velhos, além de contrariar órgãos de saúde e distorcer o cenário da pandemia.

Leia a íntegra comentada:

Desde quando resgatamos nossos irmãos em Wuhan, na China, em uma operação coordenada pelos ministérios da Defesa e Relações Exteriores, surgiu para nós um sinal amarelo.

Bolsonaro se refere à operação de retirada de brasileiros na China, com avião da FAB, executada pelo governo federal em fevereiro.

Começamos a nos preparar para enfrentar o coronavírus, pois sabíamos que mais cedo ou mais tarde ele chegaria ao Brasil. Nosso ministro da Saúde reuniu-se com quase todos os secretários de Saúde dos estados para que o planejamento estratégico de enfrentamento ao vírus fosse construído e, desde então, o doutor Henrique Mandetta vem desempenhando um excelente trabalho de esclarecimento e preparação do SUS para atendimento de possíveis vítimas.

Mas o que tínhamos que conter naquele momento era o pânico, a histeria e ao mesmo tempo traçar a estratégia para salvar vidas e evitar o desemprego em massa.

O presidente volta a usar termos que já havia adotado em ocasiões anteriores para se referir à pandemia. Quando a doença ainda parecia restrita à China, o principal efeito do coronavírus pelo mundo era na economia, com quedas históricas das bolsas em fevereiro.

Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos. Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália. Um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso.

A explicação demográfica de Bolsonaro para a dimensão da tragédia na Itália já foi dada anteriormente, quando disse que o país europeu tinha população idosa como Copacabana, na zona sul do Rio. Segundo pesquisas, o clima mais quente do Brasil não é uma garantia de contenção do novo coronavírus.

Um cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse pelo nosso país. Contudo, percebe-se que, de ontem para hoje parte da imprensa mudou seu editorial: pede calma e tranquilidade. Isso é muito bom, parabéns imprensa brasileira.

O presidente se refere a mensagem dos apresentadores do Jornal Nacional, da TV Globo, na abertura da edição de segunda-feira (23), pedindo serenidade à população durante a crise.

É essencial que o equilíbrio e a verdade prevaleçam entre nós. O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade.

Não houve nenhum órgão de governo federal ou local orientando a volta das atividades normais pelo país ou indicando que o risco de disseminação da doença tenha arrefecido. Em São Paulo, por exemplo, a ordem de fechamento de lanchonetes e restaurantes entrou em vigor justamente nesta terça-feira.

Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa.

A adoção de medidas de restrição segue padrão parecido pelos estados. Todos os governadores, por exemplo, decidiram suspender as aulas da rede estadual. Em praticamente todo o país, órgãos estaduais funcionam com restrições e atividades de lazer foram reduzidas.

O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine.

O fechamento de escolas tem sido adotado como medida de controle em dezenas de países pelo mundo. Além disso, a OMS tem dado declarações alertando para os riscos que os mais jovens também correm na pandemia. "Para os mais jovens: vocês não são invencíveis", disse o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus. O Ministério da Saúde também tem orientado a população a evitar aglomerações.

Devemos sim é ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos nossos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde. No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.

A fala sobre o "conhecido médico" é uma ironia a Drauzio Varella, criticado anteriormente por Bolsonaro por causa de uma entrevista com uma presa transexual. O filho mais velho do presidente, Flávio Bolsonaro, compartilhou um vídeo de janeiro com comentários do médico sobre a situação naquele momento, sem acrescentar nenhum contexto, levando seus seguidores a acreditar que as declarações eram atuais.

Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA [órgão de controle de medicamentos] americano e o Hospital Albert Einsten, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.

O presidente já havia falado sobre a substância anteriormente, o que levou o ministro Luiz Henrique Mandetta a pedir que a população não usasse o medicamento como medida de prevenção. O ministro afirmou que não é possível saber se essa fórmula será decisiva ou não contra o coronavírus e que há efeitos colaterais.

Acredito em Deus, que capacitará cientistas e pesquisadores do Brasil e do mundo na cura dessa doença. Aproveito para render minha homenagem a todos os profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, técnicos e colaboradores que, na linha de frente nos recebem nos hospitais, nos tratam e nos confortam.

Parlamentares se dizem perplexos e chamam Bolsonaro de irresponsável após pronunciamento

BRASÍLIA

Parlamentares, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), reagiram nesta terça-feira (24) com perplexidade e irritação ao pronunciamento em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou o fechamento de escolas, atacou governadores e culpou a imprensa pela crise provocada pelo coronavírus no Brasil.

Até o momento, o Brasil registra 46 mortes e 2.201 confirmações da doença. O pronunciamento de Bolsonaro gerou muitas reações inflamadas. Poucos foram os congressistas que saíram em defesa do presidente.

"Neste momento grave, o país precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população. Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República hoje, em cadeia nacional, de ataque", disse Alcolumbre.

Foto: Agência SenadoO presidente do Senado, Davi Alcolumbre
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre - que considerou grave ao extremo a fala do Presidente da República

A presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) no Senado, Simone Tebet (MDB-MS), se mostrou perplexa após o pronunciamento. "Adianta comentar?", respondeu à Folha quando procurada.

Já o líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que Bolsonaro superou “todos os limites da irresponsabilidade”.

Foto: Waldemir Barreto Agência SenadoSenador Randolfe Rodrigues da REDE
Senador Randolfe Rodrigues da REDE - que classificou a fala do Presidente como irresponsável

“[Ele] Ataca todo mundo, questiona o isolamento social, vem com uma tese maluca de que a Itália tem um clima mais frio. Vai passar para a história como a primeira vez em que um chefe de Estado usou a cadeia de rádio e TV para espalhar mentiras, mentiras que podem levar as pessoas à morte”, criticou.

Na Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) se disse frustrado com a reação do presidente.

“Quando mais precisamos de um líder que una o país, mais ouvimos um presidente que luta contra inimigos imaginários. O povo preocupado em salvar as pessoas e o presidente preocupado em acirrar disputas políticas”, afirmou. “Além disso, é angustiante o presidente contradizendo o ministro Mandetta [Saúde], o que confunde a população num momento que precisamos de segurança”.

O pronunciamento também foi tachado de contraditório pelo deputado Fábio Trad (PSD-MS). "As medidas que o próprio Ministério da Saúde está adotando e recomendando não são compatíveis com um resfriadinho e uma gripezinha. Elas são compatíveis com uma patologia severa de gravidade acentuada."

Na visão de outros parlamentares, Bolsonaro foi irresponsável e inconsequente.

“O presidente dobrou a aposta do discurso lunático e colocou em xeque as políticas de isolamento defendidas pelo seu próprio ministro da Saúde”, afirmou o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). “Em vez de propor soluções, preferiu atacar a imprensa, os governadores e fazer piada em rede nacional. Tragédia anunciada."

Irresponsável e inconsequente também foram os adjetivos escolhidos pela ex-líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), para descrever o presidente.

Foto: Luis Macedo/Câmara dos DeputadosJoice Hasselmann
Joice Hasselmann, disse que Bolsonaro foi "irresponsável e inconsequente"

“O Brasil precisa de um LÍDER com sanidade mental. Todas as chances que o PR teve de acertar ele mesmo jogou fora. ERRA E SE ORGULHA DO ERRO ESTÚPIDO”, escreveu em uma rede social.

Líderes do centrão avaliam que o capital político de Bolsonaro se deteriorou ainda mais e questionam a capacidade do presidente continuar governando após a crise. Agora, segundo eles, não é o momento de levantar a bandeira por um impeachment porque isso significaria piorar ainda mais o ambiente.

O líder do Cidadania na Câmara, Arnaldo Jardim (SP) classificou o discurso como desrespeitoso. “Ao chamar a doença de uma gripezinha e dizer que está havendo uma histeria promovida pela imprensa, o chefe do Executivo ignora e desrespeita todas as vítimas e seus familiares”, disse.

Ele também rebateu as críticas do presidente ao fechamento de escolas e comércios. “Terra arrasada, senhor presidente, seria mandar o povo brasileiro para as ruas num momento crítico.”

Para o senador e ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB-SP), a pandemia não pode ser minimizada. “É preciso reconhecer que a economia não vai se recuperar de forma imediata e que é preciso fortalecer o SUS, mediante a operacionalização de um fundo que disponha dos recursos e da agilidade necessários ao combate às consequências do coronavírus”, afirmou.

Na oposição, as declarações de Bolsonaro provocaram reações igualmente enérgicas.

"É uma fala irresponsável, criminosa. Ele se contrapõe à ciência, ao trabalho do próprio pessoal do governo, na área da saúde, minimiza a gravidade do que estamos enfrentando. Todos os líderes, presidentes, primeiros-ministros, estão querendo salvar a população, e aqui Bolsonaro quer expor a população a uma tragédia", disse o senador Humberto Costa (PT-PE).

Foto: Waldemir Barreto/SenadoSenador Humberto Costa
Senador Humberto Costa - críticas ao pronunciamento do presidente da República

Apesar disso, o petista diz acreditar que agora não é o momento de se falar em impeachment.

"Temos que conduzir este processo com tranquilidade. O grau de insatisfação que ele está produzindo vai terminar fazendo disso [do processo de impeachment] uma questão inevitável. A questão aí é o momento. A gente vai perdendo a crença de que ele possa se arrumar", afirmou.

Na avaliação do líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), o presidente da República está desconectado da realidade. “Em pronunciamento que atingiu o ápice da irresponsabilidade, negou a gravidade do novo coronavírus, insistiu que se trata de uma ‘gripezinha’ e convocou as pessoas a voltarem às ruas”, criticou. “É um crime contra a vida do povo brasileiro."

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) acusou Bolsonaro de mentir, debochar e provocar “um país que, apesar dele, luta bravamente e se une para enfrentar uma das maiores crises da história”. “A resposta dos brasileiros foi dada."

GOVERNADORES E SECRETÁRIOS

Um dos principais opositores de Bolsonaro na esfera estadual, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), criticou a guinada do presidente.

“O Bolsonaro sinalizou uma mudança de postura. Se reuniu com governadores, deu uma coletiva. De repente, ele acorda, e inventa esse pronunciamento insano, que é a negação do que ele vinha fazendo”, disse.

Foto: Portal VermelhoGovernador Flávio Dino - que receberá pedido de audiência do presidente Leandro Allan, da AGEPEN-BRASIL, para cobrar concurso público para agentes penitenciários
Governador Flávio Dino - que classifica o pronunciamento de Bolsonaro como "insano"

Para ele, houve algum fato novo que motivou o pronunciamento desta terça. “Uma aposta arriscada de confronto institucional deve ter sido criada por um fato novo. Uma hipótese é que ele se deu conta que ele não tem saída boa para essa confusão em que o Brasil está imerso."

“A meu ver, um dos fatos novos é que ele se deu conta da dimensão da crise e resolveu fazer uma aposta de vitimização, que é uma tática comum aos populistas", disse Dino.

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que também trocou críticas com Bolsonaro durante a crise, afirmou que "a manifestação em cadeia de rádio e televisão do presidente da República contraria as determinações da Organização Mundial da Saúde. Nós continuaremos firmes, seguindo as orientações médicas, preservando vidas. Eu peço a você, por favor, fique em casa".

Em nota, os secretários de Saúde do Nordeste afirmaram que assistiram "estarrecidos" ao discurso. "Percebemos, com espanto, os graves desencontros entre o pronunciamento do presidente e as diretrizes cotidianas do Ministério da Saúde. Esta fala atrapalha não só o ministro, mas todos nós."

Mais tarde, os secretários estaduais de saúde de todo o país divulgaram uma carta em que afirmam ter assistido estarrecidos o pronunciamento de Bolsonaro sobre o novo coronavírus.

“Já temos dificuldades demais para enfrentar. Não podemos permitir o dissenso e a dubiedade de condução do enfrentamento à Covid-19. Assim, é preciso que seja reparado o que nos parece ser um grave erro do presidente da República”, informa a carta.Para os secretários, a fala dificulta o trabalho de todos, “inclusive de seu ministro e técnicos”.

EMPRESARIADO

O vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) e presidente da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), José Ricardo Roriz, diz ter levado um susto com a fala de Bolsonaro. "O Ministério da Saúde tem feito um excelente trabalho de como lidar com essa crise, seguindo o exemplo do mundo inteiro. Não há dúvidas de quem está com a razão."

APOIO

O presidente, porém, encontrou algumas vozes de apoio no Legislativo. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), saiu em defesa de Bolsonaro.

"[É] A fala de quem está trabalhando muito, dormindo pouco e atento aos movimentos políticos que infelizmente alguns setores ainda insistem em fazer num momento de calamidade como esse. As ações responderão por si, mas todas são resultado de um comando", afirmou o senador.

Já o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), qualificou de excelente o pronunciamento.

“A sua visão de estadista e a sua coragem em ir na contramão da histeria coletiva, construída sem critérios racionais, vão salvar as vidas de milhões de brasileiros”, afirmou.

JUDICIÁRIO

Ministros do STF e do STJ ficaram atônitos com o pronunciamento. Avaliam que a postura do governo é "errática". Um ministro do Supremo diz que o presidente dobra a aposta ao propor o fim de medidas restritivas, indo na contramão do mundo.

Ele aposta, porém, que os governadores seguirão adotando as medidas restritivas, mas que o governo expressa não ter controle sobre a condução da crise emitindo sinais contrários.

Foto: Fernando Frazão/Agência BrasilO presidente da OAB, Felipe Santa Cruz
O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz: "um dos pronunciamentos políticos mais desonestos da história

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, também criticou o pronunciamento. "Entre a ignorância e a ciência, não hesite. Não quebre a quarentena por conta deste que será reconhecido como um dos pronunciamentos políticos mais desonestos da história."​

Fonte: Folha de S.Paulo

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