Da tragédia à esperança: eis que nasce a turma “Dom Aloísio Lorscheider!” Por Augusto César Coutinho
A turma Dom Aloísio Lorscheider foi um verdadeiro divisor de águas do sistema penitenciário cearense, forjada na dor, na crise e nas dificuldades, até conquistar o reconhecimento como Polícia Penal.Nós, Policiais Penais da turma Dom Aloísio Lorscheider, somos oriundos do concurso público de 1994 que ofertou 177 vagas, das quais 160 destinadas ao antigo IPPS e 17 às demais unidades prisionais. O certame teve 3.857 candidatos, sendo aprovados apenas 84 dos candidatos. De nossa turma, atualmente somos 59 profissionais em exercício na carreira.

No que pese a prova objetiva, primeira e mais importante etapa do pleito para obtenção das vagas, fora realizada em 20/11/1994. Ato contínuo, a nomeação se deu em 16/06/1995 e a inesquecível posse, no dia 20/06/1995, portanto há 30 anos.
Indubitavelmente, a turma de 1994 foi um verdadeiro divisor de águas do fazer penitenciário cearense. Ora, as intempéries, as dificuldades e toda a gama de perigos e de inóspitas condições de trabalho foram forjando-nos e obrigando-nos a adquirir a maturidade profissional de forma precoce. E, sem demérito a nenhuma outra que nos sucederam, é esse perfil que a faz ser tão especial; ser tão diferente. Não por acaso, muitos integrantes dela, têm e/ou tiveram papéis de destaque no âmbito de nosso Sistema Penitenciário, ocupando funções relevantes na gestão tais como: Diretores de Unidades Prisionais; Coordenadores do Sistema Penal; Presidência do Conselho Penitenciário, membro do Conselho Nacional de Segurança Pública, além de dois ex-presidentes do Sindicato da Categoria e até Secretário interino da Pasta.
Parece que foi ontem, pois nosso primeiro dia de plantão foi no temido Instituto Penal Paulo Sarasate, o famoso IPPS. Assumimos numa conjuntura de crise absoluta. Decerto, a maior crise de nossa História. Frise-se que a penitenciária estava sob a intervenção da polícia militar (PM), pois pouco meses anteriores, como dito acima, havia ocorrido a mais trágica de todas não menos deploráveis histórias daquela unidade: o sequestro do então Arcebispo de Fortaleza, Dom Aloísio Lorscheider. Lembro-me de forma cristalina que na entrada da unidade fomos recepcionados por um Policial Penal antigão, o saudoso Abilhão, de estatura aproximada de 2m. Ele disse: “bem-vindos ao inferno! Entrem!” De fato, durante os dias e meses seguidos, passamos a entender perfeitamente aquela expressão.

Dado as condições precárias da unidade naquela época, pouco efetivo e inexperiência profissional foi por demais estafante trabalhar naquelas condições, beirando a exaustão mental e emocional. Havia ocorrência diuturnamente. Mortes para todos os lados. Corpos decepados. Se o sinônimo de inferno é um lugar terrível e temeroso, pode ter certeza que passamos por ele em sua profundeza. Porém, foi uma experiência profissional enriquecedora, que nos ensinou pela dor a complexidade da atividade penitenciária. Mesmo diante do caos, conseguimos sobreviver com dignidade, afinal, por sermos nordestinos, ”antes de tudo, somos fortes”.
Enfrentados os primeiros desafios, a turma Dom Aloísio Lorscheider continuou participando das lutas, agora mais fortalecida com o reforço de novos companheiros e companheiras, o que acarretou nos últimos 10 anos numa verdadeira revolução no fazer penitenciário em nosso Estado. Usando uma expressão popular, podemos afirmar categoricamente que a nossa prática penitenciária “mudou da água para o vinho.” Sei que não houve a descoberta da roda, até porque os mais experientes já tinham conhecimento do que seria necessário fazer, mas por questões alheias ao trabalhador não eram implantadas - era uma questão estrutural.
Infelizmente ou felizmente, mais uma vez tivemos que aprender na dor e com a dor. Foi necessária outra crise extrema para que o aparelho estatal finalmente dotasse o sistema penitenciário de condições necessárias para o seu eficaz funcionamento. E para o bem da nossa história tivemos a oportunidade de sermos liderados nesta revolução pelo Secretário Mauro Albuquerque e sua equipe. Este, profundo conhecedor do assunto, o Secretário Mauro soube materializar com maestria o nosso sonho profissional, qual seja, tornou o nosso sistema forte, estruturado e cumpridor do seu papel social. Um verdadeiro revolucionário da causa penitenciária.
Em decorrência das lutas, muitas conquistas foram alcançadas, e a maior delas foi termos sido reconhecidos constitucionalmente enquanto profissionais da área da Segurança Pública com atuação no sistema penitenciário, através da criação da Polícia Penal. Uma luta antiga, de décadas. Detalhe: uma conquista direta dos trabalhadores, pois organizados em suas entidades de representação de classe conseguiram convencer a sociedade brasileira, através das câmaras legislativas, da importância de sermos legalmente perfilhados como polícia. Essa normativa constitucional corroborou para o fortalecimento da nossa profissão, bem como nos habilitou no que já fazíamos na prática, ou seja, policiamento no sistema penitenciário, já éramos de fato, mas não de “direito”.
De mais a mais, era demasiadamente estranho, pois exercemos uma atividade policialesca, mas ao mesmo tempo não éramos reconhecidos como tal. Quando era para nos beneficiar profissionalmente não éramos reconhecidos como policiais; mas quando era para nos prejudicar, aí sim; éramos tratados enquanto atividade policial. Com isso, além de sermos discriminados, culturalmente tínhamos um sentimento da “síndrome do cachorro vira-lata”.
Entretanto, quanta coisa mudou. Parafraseando uma canção de Almir Sater,”hoje eu me sinto mais forte,mais feliz quem sabe”...” é indiscutível que ser polícial penal nos trouxe o sentimento de valorização profissional e pessoal, uma identidade social. À despeito das conquistas econômicas que obtivemos nos últimos anos, o reconhecimento social da nossa atividade foi o fator preponderante que aconteceu em nossas vidas. Nesse sentido, posso afirmar que cada integrante da turma Dom Aloísio Lorscheider tem orgulho e honra de ter participado diretamente desta revolução no sistema penitenciário, não só em nosso Estado -terra do abolicionismo -,mas no Brasil.
Por fim, na condição de policial penal da turma Dom Aloísio Lorscheider, deixo minha mensagem para os que estão ingressando agora na carreira penitenciária: recomendo que não subestimem os que estão presos, posto que por serem seres humanos, sejam capazes de atos repugnantes mas ao mesmo tempo extraordinários. Em síntese, um alvitre: procurem sempre trabalhar em equipe; busquem pautar sua conduta profissional no campo da ética e nunca deixem de sonhar coletivamente com o fortalecimento da nossa categoria, afinal, com bem destacou Raul Seixas em Prelúdio: “sonho que se sonha só é só um sonho, mas o sonho que se sonha junto é realidade".
Augusto César Coutinho, é Policial Penal no Estado do Ceará Bacharel em direito. Foi presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Estado do Ceará; do Conselho Penitenciário do Estado e membro do Conselho Nacional de Segurança Pública.
Fonte: JTNEWS
Comentários
Últimas Notícias
-
Justiça Justiça do Piauí declara nulo contrato de cartão consignado de servidor público
-
Piauí Governo do Estado lança plataforma de cadastro do Morar Bem Piauí nesta segunda (16)
-
Política Empresa condenada na Operação Topique mantém contratos milionários com a Prefeitura de Teresina
-
Segurança Pública PM deflagra operação e prende quatro pessoas na zona norte de Teresina
-
Segurança Pública Ossada humana é encontrada próximo à Ponte da Amizade em Teresina
Blogs e Colunas
Mais Lidas
-
Política Prefeito de Simões tem contas bloqueadas por omissão na prestação de contas públicas
-
Geral Adolescente de 15 anos que estava desaparecida é encontrada na zona sul de Teresina
-
Geral Da tragédia à esperança: eis que nasce a turma “Dom Aloísio Lorscheider!” Por Augusto César Coutinho
-
Segurança Pública DRACO deflagra operação e cumpre 36 mandados na Grande Teresina
-
Política Merlong Solano critica apoio de petistas a Ciro Nogueira: “É incoerente com a estratégia do PT”