Baixo crescimento e gasto público elevado dificultam melhora da nota Brasil, diz economista

Na avaliação da agência de risco, há ainda entraves políticos, como a falta de apoio do governo no Congresso que pode atrasar reformas

Quatro anos após retirar o selo de bom pagador do Brasil, a agência de classificação de risco S&P Global Ratings (antiga Standard & Poor's) avalia que os quase dez meses da gestão de Jair Bolsonaro e do ministro da Economia Paulo Guedes não possibilitam uma melhora de visão sobre a nota do país.
 
"O que vimos até agora é coerente com uma perspectiva estável", diz à Folha Livia Honsel, analista principal da S&P para o rating soberano do Brasil.

Foto: ReproduçãoLivia Honsel, principal analista da S&P Global Ratings para o Brasil. Formada em economia pela Universidade de Paris 1, com mestrado em relações internacionais pela mesma instituição
Livia Honsel, principal analista da S&P Global Ratings para o Brasil. Formada em economia pela Universidade de Paris 1, com mestrado em relações internacionais pela mesma instituição

A agência, primeira a retirar o grau de investimento do país em 2015, deve publicar nos próximos meses um novo relatório com a nota brasileira.

O Brasil conquistou o grau de investimento em 2008, no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Perdeu cerca de sete anos depois, no governo Dilma Rousseff (PT), em meio à deterioração fiscal. Hoje, o país tem nota BB- (três degraus abaixo do selo de bom pagador).

Honsel afirma que a melhora da nota depende de medidas para reduzir o déficit e estimular o crescimento de longo prazo. Mas há dificuldades para a continuidade da agenda, principalmente no Congresso.

"A reforma da Previdência tinha um consenso relevante na opinião pública e ainda não foi completamente aprovada. No caso da reforma tributária ou da reforma das despesas não nos surpreenderia se também fosse [um processo] lento", diz. 

No começo do ano, a agência esperava um PIB com avanço de 2,4% em 2019. Mas cortou a projeção recentemente (para 0,8%), justamente por notar um ritmo mais devagar que o esperado na implementação das reformas. Para 2020, a agência projeta crescimento de 2%.

A expansão do PIB em 2020 é vista como um fator fundamental tanto para a melhora da nota como para o apoio parlamentar à agenda econômica. 

"O Congresso vai continuar apoiando as reformas se o crescimento acelerar no ano que vem", afirma.

Perspectiva do Brasil

O que vimos até agora é coerente com um outlook [uma perspectiva] estável. O impacto da reforma da Previdência é quase nulo para os próximos anos, começando gradualmente a ter um efeito positivo. 

Para uma melhora no rating, precisamos ver alguns fatores mais fortes do que esperamos no cenário-base. Isso poderia ocorrer por meio de uma redução mais rápida do déficit ou de uma aceleração mais rápida do PIB do que o esperado hoje. 

E para isso acontecer precisamos ver uma maior confiança do setor privado, o que pode acontecer por meio da aprovação de reformas econômicas ou fiscais. 
 
Ritmo das reformas

O risco de algum atraso na aprovação dessas reformas é importante, e isso é considerado dentro do nosso cenário-base. 

Sempre falamos que a aprovação de propostas mais controversas seria mais difícil para um governo que não tem uma base ampla no Congresso e [agora, ainda mais] para um presidente que perdeu aprovação rapidamente. 

Durante o governo Michel Temer nós baixamos a nota justamente porque pensamos que o atraso na aprovação da reforma da Previdência evidenciava que Executivo e Legislativo estavam tendo dificuldades para encontrar um consenso. E continua sendo assim. 

Foto: Pedro Ladeira/FolhapressReunião da CCJ da Câmara para ouvir o ministro da Economia Paulo Guedes, em março, foi interrompida devido protesto de parlamentares da oposição
Reunião da CCJ da Câmara para ouvir o ministro da Economia Paulo Guedes, em março, foi interrompida devido protesto de parlamentares da oposição

Próximas reformas
[No começo do ano] Achamos que ia ser um pouco complicada a aprovação rápida dessas reformas. O que estamos vendo

agora reflete essa opinião. 

A reforma da Previdência, que tinha um consenso relevante na opinião pública, ainda não foi completamente aprovada. É bastante tempo. 

Para a reforma tributária e para a reforma das despesas, também não nos surpreenderia se [o processo] fosse lento. Haverá pautas controversas. 

A reforma tributária, a fiscal e as privatizações de empresas podem ser mais difíceis.
 
PIB determinando apoio

Tendo o governo uma base de apoio fraca no Congresso, o crescimento econômico vai ser um fator-chave para a aprovação das futuras reformas. Os parlamentares vão continuar apoiando as reformas se o PIB acelerar no ano que vem. 

Estamos esperando 0,8% [para o PIB] neste ano e 2% no ano que vem. 

É um nível baixo de crescimento para uma nota de duplo B, e isso é uma das fraquezas do rating. O crescimento é mais baixo que o de outros países com a mesma nota. 

Tanto para o rating como para a aprovação das reformas, a aceleração na economia é muito importante. 
 
Queda no crescimento

Foram vários fatores [que causaram deterioração do PIB em 2019]. Houve atraso na aprovação das reformas, com um impacto negativo na confiança dos investidores locais. 

E também os fatores externos foram mais negativos do que pensávamos. Como a guerra comercial, a crise na Argentina e um crescimento mais lento na Europa. Tudo contou para a revisão do PIB. 
 
Cessão onerosa
[Receitas não-recorrentes, como cessão onerosa] Podem ser positivas para melhorar o resultado fiscal no ano ou em 2020, mas isso não representa uma melhora estrutural da nossa avaliação fiscal para a dívida do Brasil.

Precisamos ver mais reformas estruturais para melhorar o sistema tributário ou para reduzir as despesas obrigatórias. 
 
Liberação do FGTS

Essa medida, diretamente, não [traz crescimento esperado, de longo prazo]. Damos valor para medidas estruturais que poderiam levar a uma melhora na perspectiva de crescimento de médio prazo e uma redução no déficit. Essa medida pode gerar crescimento no curto prazo, mas não é estrutural. 
 
Pontos fracos e fortes

As fraquezas do rating são o baixo crescimento econômico e, na parte fiscal, um alto déficit do governo que até agora não permitiu a estabilização do nível de dívida. Mas, por outro lado, vemos a parte monetária e das contas externas como sólida. 

O Brasil tem baixo déficit em conta corrente, financiado por investimento estrangeiro, com dívida externa controlada e credibilidade da política monetária que melhorou ao longo dos anos. 

A autonomia do BC [Banco Central] seria ainda mais positiva. 
 
Melhora da nota

Poderemos elevar os ratings nos próximos dois anos se a abrangência e profundidade nas políticas sugerirem uma mudança mais rápida do que atualmente esperamos nas trajetórias fiscais e de crescimento. 

Isso implica propor, aprovar e executar iniciativas políticas sólidas para corrigir desequilíbrios fiscais estruturais e uma crescente carga de endividamento, bem como impulsionar a taxa do PIB. 
 
Volta do grau de investimento

O rating do Brasil foi baixando ao longo dos anos com deterioração de vários indicadores. Os únicos componentes que resistiram um pouco mais é o perfil externo e a política monetária. 

Para melhorar o rating do país, precisamos ver melhoras em diferentes setores. Não é um processo rápido. 

A melhora na parte fiscal e institucional leva um certo tempo e um ano de governo não é suficiente. Temos dever um "track record" [histórico] e observar como a parte institucional vai permitir a continuidade da evolução fiscal e da dívida.

Fonte: Folha de S. Paulo por Fábio Pupo

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