Aos doutores na Arte da Estupidez
Já aconteceu de você fazer algo que domina - devido à sua formação ou experiência -, e veio alguém e o "corrigiu"?Na condição de professor de língua portuguesa, por exemplo, já fui questionado (ou "retificado") inúmeras vezes. "Jia é com G, professor!" - falou o aluno que mal aparecia na escola. "Flávio se acha o professorzão, mas escreve telessena junto!". Parafraseando Gregório de Matos Guerra - poeta do Brasil colônia -, existe indivíduo que não sabe governar sua cozinha, e quer dominar o mundo inteiro.
É assim até hoje. Em quaisquer situações, surge o sabichão, que não apenas arroga conhecimento do tema, mas ainda sentencia, como supremo juiz, a pessoa que ele julga insipiente: "Esse bicho sabe de nada!", "Não quer ser pouca bosta não!", "Rapaz, ele fez foi comprar o diploma!".
O curioso é que o arremedo de mestre sequer é provocado por aquele que de fato é versado em determinado assunto: o ignorante é também enxerido. Vai alguém falar de política, ele já se mete e diz, sem medo de ofender, que todos roubam e roubariam caso tivessem um mandato.
Não importa a temática, sobre tudo o experto tem argumentos - ainda que só ele acredite no que fala. E seja qual for o problema do vizinho, o sabe-tudo discorre sobre as causas e sugere soluções.
Além disso, o sábio de araque se incomoda com as atitudes dos que agem diferente dele. Comigo, a propósito, acontecem abordagens bem buliçosas.
Gênios da estirpe elevadamente mais baixa já caçoaram de mim por eu não comer carne quase crua - pois "o sabor e a sustância estão no sangue do bicho" (bactérias e vírus também!). Às vezes filosofam sobre a cerveja sem álcool que tomo: "é igual sexo com camisinha - não tem gosto"; ou "se é pra beber e não me embriagar, eu bebo água!".
Percebeu que os peritos em todas as especialidades não se conformam em passar vergonha? Eles insistem em pregar ou impor seu modo de vida a todos.
Eis, portanto, o recado aos incansáveis doutos: comam à vontade carne crua e verdura suja, sem que me ofereçam; bebam cachaça até morrer, desde que não seja em minha companhia; deslizem suas mãos emporcalhadas por todo o canto... longe de mim; enfiem seus pênis desprotegidos em qualquer orifício, que não no meu; e ponham suas bocas na genitália mais imunda, contanto que não me venham beijar depois.
Por fim e por mim, podem até comer cocô. Só não queiram que eu escute as merdas que vocês têm por verdades. Sei que começamos a morrer no momento em que nascemos, porém pretendo ao menos ter vida com o mínimo de qualidade e morte com o máximo de idade.
Flávio José Pereira da Silva é escritor, professor, licenciado em Letras-Português e Policial Penal do Piauí.
Fonte: JTNews
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