Justiça

Filha do desembargador José James recebeu casa de R$ 2 milhões em esquema de venda de sentenças

A compra foi revelada por meio da quebra de sigilo bancário dos investigados pela Polícia Federal.

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Advogada Lia Rachel

As investigações revelaram detalhes relevantes sobre as transações financeiras entre três núcleos que compõem o esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Piauí.

O primeiro núcleo é composto pelo desembargador José James Gomes Pereira e sua filha, Lia Rachel de Sousa Pereira Santos, apontados como supostos beneficiários diretos das sentenças pagas; o segundo núcleo, que tem como integrantes os advogados Juarez Chaves de Azevedo Júnior e Germano Coelho Silva Barbosa, operadores e intermediários do esquema e o terceiro núcleo, formado por empresários considerados beneficiários finais: Jacyr Pasternak, Suzana Pasternak Kuzolitz, Paulo Augusto Ramos dos Santos, Ubiratan Francisco Franciosi e João Antônio Franciosi, envolvidos na compra de decisões judiciais com interesses em terras no Piauí.

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Advogados Juarez Chaves e Flávio Almeida Martins e a ex-assessora do Governo do Estado, Lucile Moura

No bojo das transações, a Polícia Federal detectou transferências para a compra de uma residência no condomínio de luxo, Aldebaran Ville, no valor total de R$ 2.100,000,00 (dois milhões e cem mil reais), tendo como figura central o advogado Juarez Chaves de Azevedo Júnior, que intermediou a negociação, realizando pagamentos para a aquisição do imóvel a ser utilizado pela filha do desembargador José James, a advogada Lia Rachel.

Importante destacar que, do valor total de R$ 2.100.000,00, R$ 858.812,14 foram pagos por financiamento concedido pela Caixa Econômica Federal. Os vendedores do imóvel foram A. J. A. B. e sua ex-esposa A. M. V. de A.

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Advogada Lia Rachel

Cronologia de repasses e transações

Antes de apresentar o caminho do dinheiro utilizado para a compra do imóvel no Aldebaran Ville, a Coluna traz, em ordem cronológica, todos os repasses registrados entre os investigados, que se iniciaram em 2022 e seguiram até 2023, obtidos por meio de quebra de sigilo bancário no período de 01/06/2022 a 09/05/2023.

Ao final da demonstração dos repasses, confira um tópico específico, demonstrando como se deu a compra do imóvel.

Início das movimentações financeiras entre membros do grupo

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Início das movimentações financeiras entre membros do grupo ocorre no final do ano de 2022

Esses repasses iniciais, segundo a investigação da Polícia Federal, configuram o primeiro movimento financeiro que liga o escritório de Juarez ao patrimônio pessoal de Lia Rachel, sugerindo um mecanismo de “pagamento antecipado” ou “retorno garantido” por futuras decisões judiciais.

Pagamentos da Sundeck Holding ao escritório de Juarez (janeiro a março de 2023)

Após o início do agravo de instrumento referente à imissão na posse da área de 22.545 hectares, decisão proferida pelo desembargador José James, do Tribunal de Justiça do Piauí, em favor do grupo investigado, teve início uma série de transferências financeiras entre os sócios da Sundeck Holding, Jacyr Pasternak e Suzana Pasternak Kuzolitz, empresa interessada na posse das referidas terras, que já possuíam proprietários legítimos, e o escritório de advocacia de Juarez Chaves. Tais movimentações indicam pagamentos recorrentes e de elevado valor.

Nesse contexto, surge, também, a figura do advogado Germano Coelho Silva Barbosa e do empresário Ubiratan Francisco Franciosi que, assim como os demais citados, foram alvos de mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal em 02 de outubro de 2025.

A seguir, as principais operações financeiras constatadas pela Polícia Federal:

Foto: Reprodução / GP1Movimentação financeira entre os investigados
Movimentação financeira entre os investigados

As movimentações financeiras entre os investigados continuam ​​​​​​

Foto: Reprodução / GP1Continuação das transações financeiras entre os investigados detectadas pela PF
Continuação das transações financeiras entre os investigados detectadas pela PF

Essas operações formam uma sequência intensa de repasses comerciais entre os sócios da Sundeck Holding e o escritório de Juarez, com valores e frequência elevados e em curto espaço de tempo, comportamento típico de caixa entre operadores de esquema financeiro ilícito.

Repasses de Juarez para intermediários e beneficiários

Além dos repasses recebidos, o escritório de Juarez executou saídas regulares para garantir o “funcionamento” do esquema: Destacam-se especialmente as transferências diretas de Juarez para Lia Rachel (200 mil reais) e para o escritório de Lia Rachel (150 mil reais), fortes indícios de que parte dos recursos recebidos foi “remanejada” para os beneficiários finais do esquema.

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Último repasse no período coberto pela quebra de sigilo

Repasses para compra da casa no Aldebaran Ville

A Polícia Federal fez uma investigação para esclarecer a quitação do imóvel localizado no Condomínio Aldebaran Ville, na zona leste de Teresina. O referido imóvel foi adquirido pela filha do desembargador José James, Lia Rachel, em 22/03/2023, pelo valor total de R$ 2.100.000,00. Ao todo, R$ 1.241.187,86 foram pagos com recursos próprios aos vendedores do imóvel (A. J. A. B. e sua ex-esposa A. M. V. de A.) enquanto R$ 858.812,14 foram financiados por meio de crédito concedido pela Caixa Econômica Federal.

Para melhor esclarecimento, a Polícia Federal tomou o depoimento dos vendedores. Em oitiva, A. J. A. B. evidenciou que escritório de Juarez Chaves de Azevedo Júnior participou ativamente da operação de compra e venda, realizando repasses financeiros vinculados ao negócio.

A descrição a seguir, soma um montante de R$ 1 milhão recebido do escritório de Juarez Chaves de Azevedo Júnior, bem como da própria filha do desembargador, Lia Rachel.

Confira os repasses detectados pela Polícia Federal em ordem cronológica

23/12/2022 - O vendedor A. J. A. B. recebeu o valor de R$ 100.000,00 em sua conta no Banco do Brasil, proveniente do escritório de advocacia de Juarez Chaves, a título de parte do sinal referente à venda do imóvel.

▪ 23/12/2022 - Na mesma data, a ex-esposa, A. M. V. de A., recebeu R$ 200.000,00, também oriundos do escritório Juarez Chaves e igualmente vinculados ao sinal da venda. Segundo relato, os vendedores da casa teriam recebido um valor superior por necessitar de recursos adicionais para a entrada de um novo apartamento.

▪ 06/02/2023, - O vendedor A. J. A. B. recebeu nova transferência no valor de R$ 250.000,00 do escritório Juarez Chaves, correspondente a outra parcela de sua parte na venda do imóvel.

▪ A ex-esposa, A. M. V. de A., por sua vez, recebeu do mesmo escritório transferências nos dias 01/02/2023 (R$ 150.000,00) e 03/02/2023 (R$ 100.000,00), valores que, segundo o ex-esposo, A. J. A. B, acredita serem também relacionados à venda da casa, embora não possa afirmar com certeza em razão do contato esporádico entre ambos.

Em 22/03/2023 -  A. J. A. B. recebeu R$ 100.000,00 provenientes da conta conjunta de Lia Rachel, como mais uma parcela do pagamento do imóvel.

▪ Na véspera, em 21/03/2023, A. M. V. de A. recebeu R$ 100.000,00, também da conta conjunta de Lia Rachel, valor que A. J. A. B. presume estar igualmente vinculado à quitação da venda do imóvel.

Etapas dos processos para imissão de posse de terras e correspondência financeira

Paralelamente aos repasses, observam-se marcos processuais sincronizados com as transferências, reforçando a tese da Polícia Federal de “pagamento por decisão recebida”:

31/01/2023 — O Agravo de Instrumento é direcionado por prevenção ao desembargador José James - comando irregular para favorecer o processo.

01/02/2023 — Ubiratan Franciosi transfere R$500 mil ao escritório de Juarez; no mesmo dia, a vendedora da casa recebe mais R$150 mil.

02/02/2023 — Desembargador José James defere a liminar de imissão na posse, em prazo extremamente reduzido (menos de 48 horas após a distribuição).

03/02/2023 — Juarez Chaves envia R$100 mil à vendedora da casa de Lia Rachel.

18/04/2023 — Juízo de primeiro grau recebe ofício de cumprimento da liminar emitida pelo desembargador.

24/04/2023 — Juarez Chaves recebe mais R$300 mil de Suzana Pasternak e faz repasse de R$100 mil ao advogado Germano.

26/04/2023 — Oficial de Justiça cumpre a ordem de imissão na posse; no mesmo dia, Juarez paga R$40 mil a Germano como comissão.

07/11/2023 — Decisão de mérito final mantém integralmente a liminar conferida, por unanimidade.

A sequência de repasses intensos antes e durante a tramitação, seguido pelo deferimento da liminar em um curto prazo e o cumprimento da ordem, reforça, segundo a Polícia Federal, o elo entre os pagamentos e as decisões judiciais.

Ocultação, dissimulação e lavagem de valores

A Polícia Federal apontou que os pagamentos não se tratavam de repasses legítimos, mas de propina ou vantagem indevida, com mecanismos para ocultar origem e destino.

Fragmentação e repasses contínuos: os valores foram subdivididos em muitas parcelas e feitos em datas sucessivas, dificultando o rastreamento direto do montante total.

Operações entre escritórios e contas pessoais: parte dos recursos passou por “lavagem de caixa” ao ser remetida para escritórios ou contas ligadas à filha do desembargador.

Disfarce imobiliário: parte dos valores foi embutida na compra de imóvel (a casa no Condomínio Aldebaran Ville) em nome de Lia Rachel, com parte paga por terceiros e direcionada por Juarez.

Transferências conexas a atos processuais: os pagamentos tendem a coincidir com etapas decisórias do processo, criando forte correlação temporal entre o repasse e o benefício judicial obtido.

Uso de empresas intermediárias: empresa Vila Bella utilizada como elo de ocultação entre os empresários e os operadores judiciais.

Segundo a PF, a negativa de receber em espécie e uso de financiamento institucional pelos vendedores da casa são estratégias típicas para “justificar” valores e dificultar investigação. Esses elementos compõem, para a autoridade policial, a base dos crimes de corrupção ativa e passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro, cuja materialidade e indícios de autoria estão consolidados nos autos dos inquéritos.

Pontos de atenção e implicações

Os valores declarados nas transações apresentadas somam milhões de reais, parte dos quais correspondem à compra da casa de Lia Rachel (estimada em R$2 milhões) e aos repasses recorrentes pelo escritório de Juarez. A investigação se pauta não apenas nas transferências registradas, mas também em prints, mensagens, oitivas (como do ex-assessor João Gabriel) e na análise do sistema PJe para verificar a movimentação dos processos conforme previsto pelos operadores do esquema.

A quebra de sigilo bancário (de 01/06/2022 a 09/05/2023) permitiu apreender boa parte desses repasses e cruzar os dados com a tramitação processual e os depoimentos juntados aos autos.

Fonte: JTNEWS com informações do GP1

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