Censura na Bienal do Livro: tempos sombrios no horizonte
Até quando vamos conviver com essa ameaça?
Num país que está se acostumando ao cada vez mais frequente discurso de ódio em nome da “moral cristã”, onde templos de umbanda e candomblé são depredados e queimados em nome dessa mesma “moral cristã”, não deveria causar espanto o último ato em nome da “moral cristã”: a tentativa atrapalhada e fracassada de censura à Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
O prefeito-bispo do Rio e da Igreja Universal, Marcelo Crivella, decidiu, sem ter mais com o que se preocupar, mandar fiscais ao prédio da Bienal com ordens para violar a Constituição Brasileira, que proíbe a censura de qualquer natureza, inclusive a artística, para caçar um livro de histórias em quadrinhos.
Qual seria o motivo? Uma HQ com excesso de violência, como é o próprio dia a dia carioca, com cenas de assaltos, explosões e assassinatos? Não, a razão da diarreia censória de Crivella foi o quadrinho Vingadores – a cruzada das crianças por conter uma cena de beijo gay. O motivo da censura não é a disseminação do ódio, mas do afeto entre dois personagens que são do mesmo sexo. Em outras palavras, pura homofobia...
O ódio, na verdade, está nos olhos daquele que vê o mal ali numa história em que existe o amor. Um amor que, em pleno século 21, ainda levanta gestos de intolerância como esse, do chefe do poder executivo de uma das maiores cidades do Brasil.
A tentativa de censura, é claro, não seguiu em frente. Nenhum exemplar do livro foi encontrado na Bienal, que nesta sexta-feira mesmo conseguiu uma liminar na Justiça proibindo novas ações dos fiscais. Na sequência, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Claudio de Mello Tavares, cassou a liminar, permitindo a apreensão da HQ com o beijo gay caso não esteja em embalagem lacrada, como se fosse uma revista de pornografia.
O desembargador diz que não é um ato de censura... Mas é sim!!! Não importa se o censor seja um funcionário do poder executivo ou um juiz, se o resultado final é a censura, o nome disso é... CENSURA!
De positivo nessa história toda, bem tosca, bem Brasil atual, está o fato de que os fiscais da prefeitura do Rio tiveram, talvez pela primeira vez na vida, a oportunidade de pisar numa Bienal do Livro.
Outro ponto positivo foi o choque trazido à sociedade por mais essa decisão tresloucada de um governante baseando-se em questões morais.
Mas não é só no Rio que vivemos o que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, definiu como “... o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático”.
Vale lembrar que, em São Paulo, o governador João Doria mandou recolher apostilas para adolescentes da 8º série da rede estadual, em torno dos 14 anos, para que não sejam informados sobre a diversidade sexual, tema contido numa página com título “A diversidade de manifestações e expressões da identidade humana”.
Para Dória, que parece estar bastante interessado no apoio do eleitorado conservador para seu projeto de conquistar a presidência de Jair Bolsonaro, o texto faz apologia da “ideologia de gênero”, termo criado por um documento da Igreja Católica no conservador pontificado de Bento XVI e que passou a ser adotado, desde então, em todo discurso contra a população LGBT. O texto da apostila, na verdade apenas explica nomenclaturas e diferenças entre sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual.
Esses atos tenebrosos de censura do pensamento coincidiram, justamente, com a realização do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, que reuniu 3 mil pesquisadores, entre professores e estudantes, no campus da Universidade Federal do Pará, em Belém, no qual lancei meu novo livro Imprensa e Censura (tema mais que adequado para o momento).
E é claro que o tema da censura à liberdade de expressão, em todas as suas vertentes - artística, cultural, informativa - foi muito debatido. A censura, que sempre tentou dar as caras ao longo da história brasileira, parece estar perdendo mesmo a vergonha... Ela retorna para nos assustar, mas vem como sempre, tolamente inútil, já que o que ela faz mesmo é dar ainda mais visibilidade ao objeto que tenta esconder, trazendo mais divulgação e discussão sobre o tema proibido.
A imagem do beijo gay dos personagens em quadrinhos, em vez de ser escondida pelas trevas da censura, ganhou até mesmo a primeira página dos jornais e destaque nos sites de notícias.
Já que a censura não funciona na prática, para que continuar insistindo, senhor prefeito e senhor governador... Por quê? Apenas para conquistar votos de conservadores e ultra religiosos? Vale mesmo a pena nos levar de volta às trevas do fanatismo religioso e moral pela sobrevivência política? A resposta, veremos nas urnas...
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