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Quem eu penso que sou?

Sou o psicólogo de mim mesmo, num esforço hercúleo para não sucumbir à bebida nem às drogas; para manter a lucidez e a humanidade; para preservar a honestidade e a vida

Foto: Zé Paulo/JTNews
Flávio José, escritor, professor e batedor de cadeado

Sou um cidadão comum, que paga impostos e que trabalha para sustentar a família.  Fora isso, sou aquele que mantém você seguro de criminosos de toda espécie.

Sou a pessoa que fecha o cadeado da prisão. E enquanto você dorme, sou eu quem realiza rondas no presídio a fim de evitar fugas de maus elementos.

Foto: Zé Paulo/JTNews
Flávio José, escritor, professor e profissional da Execução Penal no Piauí

A Polícia Militar prende os bandidos; a  Civil os encaminha ao Tribunal; o Ministério Público os denuncia; o Judiciário os envia ao sistema prisional - tudo isso acontece em poucos dias. Mas sou eu que vou ver o presidiário envelhecer e vou envelhecer com ele.

Sou o louco que entra desarmado e com apenas dois colegas num pavilhão contendo cem presos. Sou eu quem, com um gesto ou a voz (e se for preciso a força física), debela um motim. E se acontece uma rebelião, sou o principal alvo de pedras, ferro e fogo ou de ser tomado refém.

Sou o cara que vistoria as celas insalubres sob o risco de contaminação com objetos. Sou eu quem aspira a fedentina dos banheiros úmidos e sujos.

Sou o operacional que faz as buscas pessoais em indivíduos violentos e doentes. Sou eu quem convive com sarna, tuberculose, hanseníase, HIV.

Sou o motorista que transporta o encarcerado a audiências e hospitais sem temer a emboscadas.

Sou para o preso seu inimigo, a quem ele ameaça e mata. Paradoxalmente sou seu salvador, a quem ele recorre nos momentos de desespero e dor.

Sou o coordenador e realizador das tarefas mais penosas da penitenciária. Mas sou o infeliz a quem o Estado paga mal.

Sou ocupante de um dos cargos mais estressantes do mundo; no entanto, políticos preferem me ver morrer a me aposentar.

Sou o psicólogo de mim mesmo, num esforço hercúleo para não sucumbir à bebida nem às drogas; para manter a lucidez  e a humanidade; para preservar a honestidade e a vida.

Por fim, sou um invisível - visto apenas quando me querem punir.

Flávio José, escritor, professor, licenciado em Letras Português e Agente Penitenciário do Piauí.

Fonte: JTNEWS

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