A Prefeitura de Campo Maior firmou uma série de contratos para fornecimento de refeições prontas com a mesma empresa, em um curto intervalo de dias, envolvendo diferentes secretarias municipais, mas com objeto praticamente idêntico, valores elevados e origem na mesma licitação. A repetição dos contratos, celebrados quase simultaneamente, levanta questionamentos sobre o planejamento das contratações e a concentração de recursos públicos em um único fornecedor.
Os contratos foram firmados com a empresa A Alves de Andrade Ltda ME, inscrita no CNPJ nº 21.821.561/0001-21, todos decorrentes do Pregão Eletrônico nº 030/2025 e da Ata de Registro de Preços nº 034/2025. Apesar de formalmente assinados por secretarias distintas, os documentos revelam um padrão rigorosamente igual no objeto, nos valores unitários, no modelo de execução e até na composição do cardápio, o que indica que se trata, na prática, da contratação repetida do mesmo serviço para diferentes pastas da administração municipal.
Os contratos revelam uma inconsistência que chama atenção logo no acesso ao mural de contratos, disponível na página inicial do portal de transparência do município. No sistema, os ajustes aparecem apresentados como se estivessem vinculados a uma mesma secretaria. Na prática, os contratos foram firmados por quatro secretarias distintas (Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de Relações Institucionais). A divergência entre a forma de apresentação no mural e o conteúdo efetivo dos contratos compromete a transparência das informações e dificulta o controle social sobre o real volume de recursos públicos destinados ao fornecimento de alimentação institucional.
A Secretaria Municipal de Saúde firmou contrato no valor estimado de R$ 213 mil para fornecimento de quentinhas e refeições tipo buffet ao longo de 12 meses. No mesmo dia, a Secretaria Municipal de Educação assinou contrato semelhante, com valor estimado de R$ 199 mil, também para fornecimento de quentinhas e refeições completas, com os mesmos preços unitários e a mesma descrição do serviço. No dia 12, a Secretaria Municipal de Relações Institucionais contratou a mesma empresa por R$ 148,5 mil, enquanto a Secretaria Municipal de Assistência Social e Geração de Renda celebrou outro contrato, no valor estimado de R$ 120,5 mil, novamente com o mesmo fornecedor, para o mesmo tipo de refeição e nas mesmas condições.
Somados, os contratos ultrapassam R$ 680 mil apenas para fornecimento de alimentação institucional, todos concentrados em uma única empresa local. O valor unitário das quentinhas foi fixado em R$ 28, enquanto as refeições tipo buffet foram contratadas ao custo de R$ 45 por pessoa, preços que se repetem de forma idêntica em todos os contratos analisados. Os documentos não apresentam justificativas individualizadas que expliquem a necessidade de volumes tão elevados em todas as secretarias, tampouco demonstram estudos públicos que detalhem a demanda real de cada pasta.
Embora a legislação permita o uso do Sistema de Registro de Preços, especialistas em gestão pública alertam que a multiplicação de contratos com o mesmo objeto e o mesmo fornecedor, firmados em sequência, pode indicar falhas no planejamento ou até tentativa de pulverizar valores elevados para reduzir a percepção do gasto global. Na prática, a fragmentação por secretaria acaba ocultando o montante total comprometido com a mesma empresa, dificultando o controle social e a fiscalização mais rigorosa.
Outro ponto que chama atenção é que os contratos são classificados como de valor estimado, o que dá margem para execução conforme a demanda. Ainda assim, a reserva orçamentária inicial já compromete recursos expressivos, sem que haja transparência suficiente sobre os critérios que levaram a administração a centralizar a contratação de alimentação em um único fornecedor, em vez de ampliar a concorrência e estimular a participação de outras empresas do setor.
A concentração dos contratos também levanta dúvidas sobre o respeito aos princípios da economicidade, da eficiência e da isonomia, uma vez que o fornecimento contínuo de refeições para diferentes secretarias poderia, em tese, ser objeto de um planejamento integrado, com critérios mais claros e ampla disputa entre fornecedores. A ausência de diferenciação relevante entre os contratos reforça a percepção de que a administração municipal optou por repetir o mesmo ajuste várias vezes, em vez de tratar a demanda de forma global e transparente.
Diante do volume financeiro, da proximidade temporal dos contratos e da repetição do objeto, o caso reúne elementos que podem justificar a atuação de órgãos de controle, como o Tribunal de Contas do Estado do Piauí e o Ministério Público, para avaliar se houve fracionamento indevido de despesas, falhas no planejamento das contratações ou eventual favorecimento reiterado de um único fornecedor.
Fonte: JTNEWS