Pouco se fala sobre isso fora dos círculos acadêmicos, mas a ciência já confirmou que a prevenção de doenças crônicas começa na formação da primeira microbiota intestinal, logo após o nascimento. Esse conjunto de microrganismos que coloniza o intestino do bebê é determinante para o desenvolvimento do sistema imunológico, do metabolismo e até da saúde mental.
A primeira microbiota: um legado para a vida toda
A microbiota gastrointestinal é formada por trilhões de bactérias, vírus e fungos que colonizam todo o trato digestivo — do estômago ao intestino delgado, mas principalmente o intestino grosso, onde se concentra a maior diversidade. Cada indivíduo possui uma microbiota única, funcionando como uma verdadeira “impressão digital biológica”, que influencia diretamente sua saúde e metabolismo. Esse ecossistema começa a se formar logo após o nascimento e é moldado por fatores como o tipo de parto, a amamentação e o ambiente em que o bebê está inserido, tornando os primeiros meses de vida uma etapa decisiva para o equilíbrio intestinal e para a prevenção de doenças ao longo da vida.
Durante a gestação, o trato gastrointestinal do bebê é praticamente estéril. Mas, ao nascer, ele é imediatamente colonizado por bactérias vindas da mãe e do ambiente. O tipo de parto (normal ou cesariana) e, principalmente, a forma de alimentação nos primeiros meses, moldam esse ecossistema inicial. Pesquisas mostram que desequilíbrios precoces na microbiota — chamados de disbiose — podem aumentar o risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e até alergias. Por isso, os primeiros meses de vida são considerados uma “janela crítica” para a saúde futura.
O excesso de fórmulas infantis e seus riscos
Um outro ponto crítico na prática clínica é a prescrição rotineira de 30 ml de fórmula no primeiro dia de vida, quantidade muito superior à capacidade real do estômago do recém-nascido, que comporta apenas 5 a 7 ml por mamada. Esse descompasso gera riscos imediatos, como regurgitação, cólicas e sobrecarga gástrica, além de comprometer a colonização inicial da microbiota intestinal, essencial para a imunidade. No longo prazo, oferecer volumes acima da necessidade fisiológica pode alterar os mecanismos naturais de fome e saciedade, levando o bebê a se acostumar a ingerir além do que precisa. Essa prática está associada a maior risco de obesidade, diabetes e outras doenças crônicas, já que os primeiros meses de vida são decisivos para a programação metabólica e imunológica.
O papel insubstituível do leite materno
O aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das estratégias mais eficazes para garantir uma microbiota saudável.
O leite materno não é apenas alimento: ele contém imunoglobulinas, prebióticos, vitaminas e minerais que nutrem o bebê e favorecem a colonização de bactérias benéficas. Além disso, atua como um verdadeiro modulador imunológico, reduzindo o risco de doenças crônicas e autoimunes, como diabetes tipo 1, doença celíaca e enfermidades cardiovasculares.
Estudos recentes reforçam isso:
- “A revisão sistemática da literatura científica demonstrou que o leite materno, especialmente em amamentações prolongadas, atua como um modulador imunológico, fortalecendo o sistema imunológico infantil.”
- “O aleitamento materno mostrou-se superior às fórmulas infantis na promoção de uma microbiota intestinal saudável e diversificada.”
- “Lactentes amamentados exclusivamente apresentaram microbiota mais equilibrada e menor predisposição a processos inflamatórios crônicos.”

Desafios e oportunidades
Apesar das evidências, ainda há muitos desafios: a redução das taxas de aleitamento materno exclusivo, a falta de estímulo e apoio à amamentação, a prescrição desnecessária de fórmulas infantis, a introdução precoce de fórmulas infantis e o excesso de antibióticos nos primeiros anos de vida. A boa notícia é que políticas públicas de incentivo à amamentação, apoio às mães e campanhas de conscientização podem mudar esse cenário. Investir na saúde da microbiota desde o nascimento é investir em uma sociedade mais saudável e menos sobrecarregada por doenças crônicas.

Conclusão
A ciência é clara: a prevenção de doenças crônicas começa na primeira microbiota e se fortalece com o leite materno. Garantir que cada criança tenha acesso a esse início de vida saudável é uma responsabilidade coletiva — das famílias, dos profissionais de saúde e das políticas públicas.
"Defender o aleitamento materno é defender o futuro. Cada gota de leite materno é um investimento em saúde, imunidade e qualidade de vida. Se queremos uma sociedade menos doente e mais resiliente, precisamos começar pelo respeito à primeira microbiota e pelo incentivo à amamentação." (Graziela Mantovaneli, Enfermeira Pediátrica e Neonatologista e tutora em Aleitamento Materno e Alimentação Complementar pelo Ministério da Saúde)
Por Graziela de Melo Mantovaneli, enfermeira pediátrica e neonatologista e tutora em Aleitamento Materno e Alimentação Complementar pelo Ministério da Saúde.
Fonte: JTNEWS