Saúde

Leite materno: o primeiro remédio contra doenças crônicas; por Grazi Mantovaneli

A ciência mostra que a formação da primeira microbiota intestinal, nutrida pelo leite materno, é decisiva para imunidade, metabolismo e prevenção de doenças ao longo da vida.

Foto: Reprodução / Instituto Santos Dumont
O leite materno é o mais rico alimento que pode ser oferecido, e não necessita de complementação com chás, água ou outros itens, até os seis meses de vida do bebê.

Pouco se  fala sobre isso fora dos círculos acadêmicos, mas a ciência já confirmou que a prevenção de doenças crônicas começa na formação da primeira microbiota intestinal, logo após o nascimento. Esse conjunto de microrganismos que coloniza o intestino do bebê é determinante para o desenvolvimento do sistema imunológico, do metabolismo e até da saúde mental.

Foto: Reprodução / Instituto Santos Dumont
O leite materno é o mais rico alimento que pode ser oferecido, e não necessita de complementação com chás, água ou outros itens, até os seis meses de vida do bebê.

A primeira microbiota: um legado para a vida toda

A microbiota gastrointestinal é formada por trilhões de bactérias, vírus e fungos que colonizam todo o trato digestivo — do estômago ao intestino delgado, mas principalmente o intestino grosso, onde se concentra a maior diversidade. Cada indivíduo possui uma microbiota única, funcionando como uma verdadeira “impressão digital biológica”, que influencia diretamente sua saúde e metabolismo. Esse ecossistema começa a se formar logo após o nascimento e é moldado por fatores como o tipo de parto, a amamentação e o ambiente em que o bebê está inserido, tornando os primeiros meses de vida uma etapa decisiva para o equilíbrio intestinal e para a prevenção de doenças ao longo da vida. 

Durante a gestação, o trato gastrointestinal do bebê é praticamente estéril. Mas, ao nascer, ele é imediatamente colonizado por bactérias vindas da mãe e do ambiente. O tipo de parto (normal ou cesariana) e, principalmente, a forma de alimentação nos primeiros meses, moldam esse ecossistema inicial. Pesquisas mostram que desequilíbrios precoces na microbiota — chamados de disbiose — podem aumentar o risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e até alergias. Por isso, os primeiros meses de vida são considerados uma “janela crítica” para a saúde futura.

Foto: Reprodução / Jornal da USP
Leite materno corrige alterações na microbiota intestinal de bebês. Pesquisa da USP apoiada pela Fapesp mostra que as bactérias benéficas produzidas pelo leite materno se sobrepõem às bactérias maléficas, independentemente do tipo de parto

O excesso de fórmulas infantis e seus riscos

Um outro ponto crítico na prática clínica é a prescrição rotineira de 30 ml de fórmula no primeiro dia de vida, quantidade muito superior à capacidade real do estômago do recém-nascido, que comporta apenas 5 a 7 ml por mamada. Esse descompasso gera riscos imediatos, como regurgitação, cólicas e sobrecarga gástrica, além de comprometer a colonização inicial da microbiota intestinal, essencial para a imunidade. No longo prazo, oferecer volumes acima da necessidade fisiológica pode alterar os mecanismos naturais de fome e saciedade, levando o bebê a se acostumar a ingerir além do que precisa. Essa prática está associada a maior risco de obesidade, diabetes e outras doenças crônicas, já que os primeiros meses de vida são decisivos para a programação metabólica e imunológica.

Foto: Reprodução / Culturelle probiótico
O leite materno é essencial para o desenvolvimento e atua diretamente na formação da microbiota intestinal, com impactos para a saúde intestinal do bebê e para toda a vida.

O papel insubstituível do leite materno

O aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das estratégias mais eficazes para garantir uma microbiota saudável.

O leite materno não é apenas alimento: ele contém imunoglobulinas, prebióticos, vitaminas e minerais que nutrem o bebê e favorecem a colonização de bactérias benéficas. Além disso, atua como um verdadeiro modulador imunológico, reduzindo o risco de doenças crônicas e autoimunes, como diabetes tipo 1, doença celíaca e enfermidades cardiovasculares.

Estudos recentes reforçam isso:

- “A revisão sistemática da literatura científica demonstrou que o leite materno, especialmente em amamentações prolongadas, atua como um modulador imunológico, fortalecendo o sistema imunológico infantil.”

- “O aleitamento materno mostrou-se superior às fórmulas infantis na promoção de uma microbiota intestinal saudável e diversificada.”

- “Lactentes amamentados exclusivamente apresentaram microbiota mais equilibrada e menor predisposição a processos inflamatórios crônicos.”

Foto: Reprodução / Hospital Dona HelenaFórmulas infantis sem recomendação podem levar seu filho ao sobrepeso já no primeiro ano
Fórmulas infantis sem recomendação podem levar seu filho ao sobrepeso já no primeiro ano

Desafios e oportunidades

Apesar das evidências, ainda há muitos desafios: a redução das taxas de aleitamento materno exclusivo, a falta de estímulo e apoio à amamentação, a prescrição desnecessária de fórmulas infantis, a introdução precoce de fórmulas infantis e o excesso de antibióticos nos primeiros anos de vida. A boa notícia é que políticas públicas de incentivo à amamentação, apoio às mães e campanhas de conscientização podem mudar esse cenário. Investir na saúde da microbiota desde o nascimento é investir em uma sociedade mais saudável e menos sobrecarregada por doenças crônicas.

Foto: Reprodução / Academia MédicaO Microbiota Intestinal: A Origem das principais alergias infantis
O Microbiota Intestinal: A Origem das principais alergias infantis

Conclusão

A ciência é clara: a prevenção de doenças crônicas começa na primeira microbiota e se fortalece com o leite materno. Garantir que cada criança tenha acesso a esse início de vida saudável é uma responsabilidade coletiva — das famílias, dos profissionais de saúde e das políticas públicas.

"Defender o aleitamento materno é defender o futuro. Cada gota de leite materno é um investimento em saúde, imunidade e qualidade de vida. Se queremos uma sociedade menos doente e mais resiliente, precisamos começar pelo respeito à primeira microbiota e pelo incentivo à amamentação." (Graziela Mantovaneli, Enfermeira Pediátrica e Neonatologista e tutora em Aleitamento Materno e Alimentação Complementar pelo Ministério da Saúde)

Foto: Reprodução
Graziela de Melo Mantovaneli

Por Graziela de Melo Mantovaneli, enfermeira pediátrica e neonatologista e tutora em Aleitamento Materno e Alimentação Complementar pelo Ministério da Saúde.

Fonte: JTNEWS

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