Cultura

Alguma dúvida?; por Flávio de Ostanila

"Na internet se encontram muitas frases de exaltação à dúvida, e é realmente oportuno concordar com a ideia de que o não-saber leva à busca pelo conhecimento"

Foto: Arquivo Pessoal
Flávio José [ou Flávio de Ostanila] é policial penal, professor e escritor

"Dê-me o benefício das suas convicçõesse as tivermas guarde para si as dúvidasBastam as que tenho", Goethe.

Hoje, no plantão, indagado por um preso sobre a entrega de material de higiene pessoal, levei a demanda ao chefe de disciplina, Xavier Júnior, que me respondeu com um "não sei". Lembrei a ele que, como policial penal há 22 anos, eu constatei que a hesitação é o tipo de atitude que leva o presidiário a perder o respeito pelo servidor público. As pessoas, incluindo os encarcerados, apreciam certezas, e não indecisões. Logo se espera que a resposta tenha convicção, independente de ser algo positivo ou negativo. 

Foto: Arquivo Pessoal
Flávio José [ou Flávio de Ostanila] é policial penal, professor e escritor

Na internet se encontram muitas frases de exaltação à dúvida, e é realmente oportuno concordar com a ideia de que o não-saber leva à busca pelo conhecimento; porém mais apropriado ainda é sentenciar que certezas, em vez de achismos, é que são responsáveis, além de incontáveis providências, pela nossa sanidade mental. 

Será que Deus, na Criação, ao elaborar a metáfora divina, hesitou entre maçã e pequi ou quiabo e maxixe?! Agora imagine um padre ou um pastor, diante dos fiéis, titubear sobre quem matou quem entre Abel e Caim! 

A insuspeição convence. Ainda que um advogado, por exemplo, duvide da inocência de seu cliente, diante de um júri ele teria que apresentar firmeza da não-culpabilidade do réu. Do contrário, este poderia ser condenado devido à insegurança de seu defensor. 

Que trabalhador permaneceria no labor se não fosse certo que receberia seu salário no fim do mês?! Também não se faria uma feira em um supermercado se dissesse ao caixa que provavelmente voltaria em outro momento para pagar. 

Já pensou um professor sempre reticente?! O jovem aluno, ávido por explicações, encontraria em seu lente apenas mais dubiedades. E indefinições frustam; resultados é que motivam. 

Como seria o tratamento de uma suposta enfermidade após uma consulta médica com o Dr. Talvez? Ninguém quer estar doente; entretanto, quando isso acontece, a prudência (e o amor à vida) recomendam diagnóstico preciso e consequente e adequada terapia. O desconhecimento de uma doença não vai curar o enfermo. A propósito, você tomaria uma agulhada se o Ministério da Saúde propagandeasse "vacine-se! quiçá você viva para contar a história... ou não!"? 

Em todas as situações se exige fidúcia. Não é a confiança a base de um relacionamento afetivo?! Tomando como ilustração um casal heterossexual, o homem deve ter, a princípio, certeza de que sua atração é de fato por mulher. Depois é crucial evitar suspeições: ou vai, ou racha. Em convivência com descrédito, a "sofrência" é a única garantia. 

Existe apenas uma coisa sobre a qual nenhum indivíduo ajuizado tem dúvida - a morte. Quão angustiante seria viver sem saber se morreria, esperando ser o escolhido de última hora pelos deuses para vagar eternamente na Terra! 

Suponho que você, leitor, goste muito de viver; contudo estou seguro de que odiaria não saber se vai morrer. Os anos passando, e você vivendo em prol da possibilidade de ter todo o tempo. Pior: a incerteza o atormentando e roubando todo o ânimo de uma vida que ainda não findou, mas também não andou. 

Portanto não tenho dúvidas de que são as certezas que condicionam a existência humana (quem sabe você discorde disso!). E se a mais convicta de todas elas é a morte, cuida!

Flávio José Pereira da Silva [Flávio de Ostanila] é policial penal, escritor, bacharel em Direito e professor de Língua Portuguesa.

Confira AQUI a última crônica do autor, publicada com exclusividade pelo JTNEWS.

Fonte: JTNEWS

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